terça-feira, 20 de novembro de 2012

Pedaços de papel



Luiz Sanches

Vitor, 56 anos, casado, três filhos, moreno, sem camisa, catador de papel, sofredor e feliz.
Jocivaldo, não importa o que ele é ou faz; é somente o coadjuvante.
Tem também a polícia, mas eles só aparecem depois.
A Claudete vinha pela esquina ruma a sua casa. O Vitor vinha do rumo da casa da Claudete para a esquina. O Jocivaldo não importa aonde estava, ele é somente o coadjuvante, eu já disse! A policia? Já vou contar!
Pois então. A Claudete avistou o Vitor de longe catando os seus papeis e logo ela se apavorou, pois o Vitor poderia assalta-la, pensava Claudete. Chiquerérrima como anda, estava com colar, brincos e pulseiras de ouro. Não há outro caminho, tinha que passar pelo Vitor, na rua escura, sem ninguém, para chegar em casa. Outro poderia disser: “então porque não volta ou esconde o ouro”. Não! Eu estou contando a história e ela tem que passar pelo vitor! Que coisa!
Então, voltando: não que o Vitor se tratasse de qualquer ameaça eminente, mas os preconceitos da Claudete a ameaçavam ferozmente. Logo o coração, segurado pela garganta, contorcionava-se a cada passo ao encontro do Vitor, que nem estava dando bola para a Claudete. Paços apertados, Claudete no momento do encontro passa raspando pelo Vitor, quase gritando de medo, enquanto juntava as presas algumas pulseiras e as guardava no bolso.
-Dona! Oh Dona! Dona!!! –repetia Vitor para a Claudete, que apavorada fingia que não era com ela e apertava mais o paço. Tinha medo de parar e ser assaltada, mas o catador de papel logo chegou ao seu lado com uma das pulseiras da Claudete na mão. Como tinha conseguido rouba-la tão rápido? Claudete não esperou ser violentada e foi logo dizendo com as pernas bambas: “toma moço, pode levar, não precisa fazer nada comigo!”. E a policia nessa hora? E o Jocivaldo? O Jocivaldo não importa, mas a policia dobrava a esquina neste instante.
-O senhor aí! Oh vagabundo! Mãos para cima!
Vitor, sem obedecer, questiona:
-Não moço! Eu “to” é devolvendo para ela. Não sou ladrão não! Sou trabalhador, tenho três filhos e...
E repentinamente toma um tapa do policial, o catador sem camisa, que logo ouviu o ouvido tinintar um “zum zum zum”. “Você está achando que eu sou trouxa é?” –responde logo o policial. E o Jocilvaldo? Já disse que não importa! Deixa eu continuar a história...
-Ai que bom que o senhor apareceu. Ai... que bom... –Dizia Claudete, bamba, quase urinando nas próprias causas.
-Eu não fiz nada! Nunca na minha vida eu roubei! Nunca! Eu vi que ela deixar cair o bracelete e fui devolver. Sou honesto! –Vitor se defendia e agora o amedrontado era ele.
-Olha policial, eu vi tudo, este senhor (o Vitor) não roubou, a mulher ai deixou cair a peça. –dizia do nada um jovem que veio do outro lado da rua correndo: é Jocivaldo, vinte e três anos, solteiro, “boa pinta”, está estudando para passar no vestibular, caçula da família e adora jogar xadrez. É o salvador do injustiçado Vitor e deixou de ser o coadjuvante desta história... ufa, finalmente né?
-É verdade senhora? Pergunta intrigado o policial.
Claudete toma fôlego: “nossa, não sei”. Jocivaldo defende mais ao Vitor: “ele anunciou assalto? A senhora é que ficou com medo à toa!”
-Ai... é verdade! Ai moço (Vitor), desculpa, nossa, que vergonha.
Agora vem a parte interessante da história, continue lendo, não saia daí:
O policial solta o catador honesto. Faz as suas recomendações de que tome cuidado e vai embora. O tapa que Vitor levou ficou por isso mesmo. Vitor, humilhado, se vira para a Claudete:
-Eu nunca roubei na minha vida! Sou pobre, nasci pobre e vou morrer pobre. Não sei ler nem escrever, mas uma coisa que aprendi é seguir o que os meus pais me ensinaram: a ser homem! É o que eu ensino aos meus três filhos. Nunca roubem, podem passar fome, mas não precisam disso. Eu as vezes não tenho o de comer, mas também não tenho muito o que me preocupar. Os ricos tem tudo e se preocupam com tudo, pois podem lhes roubar as únicas coisas que possuem. Eu vivo bem e tranquilo, sem preocupações com o amanhã. Nós somos pobres, mas descobrimos a felicidade nas pequenas coisas. Sou feliz com a minha esposa e filhos e não preciso de muito para viver. Os ricos precisam acrescentar mais coisas dos shoppings para preencher o que lhes faltam e nunca estão satisfeitos, porque felicidade não se compra. As pessoas perdem muito tempo da vida se importando com o material e morrem sem se tornar felizes no simples, e não conseguem cumprir com o objetivo principal da vida, que é ser feliz.
Claudete, amargurada, em casa, um tempo depois deste ocorrido, pensa nas palavras de Vitor. Questiona se ele realmente é feliz. Talvez esteja neste momento, sem muito o que comer, mas rindo com os filhos, e ela, sem um amigo sequer.
Assim termina essa história rápida. Ah! Já ia me esquecendo: o Jocilvaldo passou no vestibular e virou o orgulho da família!