Luiz Sanches
Selma é uma
mulher sofrida e batalhadora, assim como a maioria das mulheres de bem. Veio da
cidade do interior para a cidade do Rio de Janeiro com a promessa de vida nova,
junto com única filha de cinco anos de idade, na época. Selma trabalha de
atendente em uma loja de cosméticos, gastando algo como nove ou dez horas por
dia no trabalho, umas duas no transito de casa ao trabalho, outras duas
arrumando casa ou fazendo janta e sabe-se lá quantas dormindo, para logo
levantar e se preparar para a sua labuta diária. Sua filha, Jéssica, com treze
anos de idade, se não é a filha legítima do capeta, é adotada por ele. Jéssica,
ou paninha, como é conhecida pela “turma do mal”, só aprendeu coisa que não
presta nesta vida. Some de casa por dias, só aparecendo para comer algo ou
roubar o que ainda sobra da pobre mãe batalhadora, para trocar por um sem
número de tipos de drogas. Já foi presa, já apanhou, e por falar em apanhou,
sua mãe Selma nem sabe quantas vezes curou machucados da “coitadinha da querida
filhinha”, “que até é boa pessoa, mas o seu problema são as companhias”. A
única coisa que recebe de gratidão da “filhinha” é a má resposta e o
desrespeito, nos dias que aparece em casa. Selma sem saber o que fazer e necessitando
trabalhar, deixou por vezes Jéssica aos cuidados do marido, por quem se casou
alguns anos depois de vir ao Rio de Janeiro, já que o pai de Jéssica ficou no
interior com outra qualquer. Sem sucesso, seu marido perdeu a cabeça em quantas
vezes tentou segurar os ânimos explosivos da “filhinha querida” e quantas vezes
brigou com Selma por conta das mal criações dela, e, por fim, se separou de
Selma.
Certo dia,
Jéssica, com seu namoradinho de merda, que só sabia lhe explorar para comprar
droga, resolveram realizar um assalto mal planejado e terminaram alvejados por
três tiros a queima roupa, cada um. Selma perdeu a vida junto com a filha. A
depressão a tomou por inteira, toda e cada uma de suas células. A certeza de
não poder concertar a filha a tempo, mesmo se esforçando, lhe travava a mente.
Selma perdeu o emprego e ganhou mais dívidas. Nada em sua vida fazia mais
sentido. Mesmo a filha sendo a pior filha do mundo, era sua filha e mãe, é mãe.
Ninguém compreende o amor de mãe. Este é o amor mais puro que existe;
incondicional, natural, feliz, que agrupa tudo o que há de mais profundo e
carinhoso em qualquer emoção humana e transforma essa emoção em filhos. Mãe cria um
filho por sabedoria que livro não ensina, com amor que nem a bíblia sabe
exprimir, com dedicação que nem o melhor amante realiza por alguém. Imersa
nesse dor, a maior dor que um ser humano pode suportar, Selma após uns dois
anos sai de sua depressão e recomeça a vida. Obvio que os visinhos agradeceram
aos céus pela ida da pequena demônio aos infernos, porém, para Selma, só a
“filhinha querida” poderia suprir sua saudade. E num dia desses, saindo para
conhecer um novo amor, num bar copo sujo, conhece um rapaz “meio bobão” e
bebida vai, saideira que nunca sai, Selma teve uma idéia maluca: levar esse
rapaz já bêbado para a cama, transar sem camisinha, para tentar ter outra
filha. A noite acabou, o rapaz ela nunca mais viu, o tempo passou e o teste
revelou: gravidez! Sua idéia mirabolante irá gerar uma nova vida, sem marido,
com dívidas aos montes, mãe solteira e mais: no pré-natal descobre que é menina
(que felicidade), com síndrome de Down. Selma quase retira a própria vida junto
ao bebê que vai nascer. Só não tirou, porque descobriu amizades onde nem
pensava que existiriam. No seu tempo de depressão, se enclausurou, ninguém
soube de sua dor, mas na gravidez descobriu amizades que se uniram em prol da
vida que vai nascer. Recebeu ajuda de parentes que nem se lembrava,
desconhecidos apareceram e criaram amizades fortes. Descobriu que existe mais
gente pronta para ajudar que imaginava.
Os anos se seguiram
e Selma cuida de sua filha e trabalha. O que nem imaginava é que o mesmo ventre
que gerou uma diaba, gerou uma anja. Célia, sua nova filhinha querida, é um
doce de pessoa, sabe carinhar, lhe traz café na cama, se tornou o xodó dos
visinhos e experta, ao seu modo. Célia aprendeu a cuidar das outras crianças da
creche ao lado de sua casa, ganha o seu dinheiro e o entrega todo a sua mãe,
para ajudar nas dívidas de casa. Fez comercial num programa de televisão,
salvou um cachorro atropelado na rua, que ninguém se importava, virou companhia
dos vovôs solitários e num dia desses, entregou uma rosa à mãe, do nada,
dizendo que a ama, que é a melhor mãe do mundo.
Não importa
quem são os filhos. Amor de mãe é independente. Mulher que é mãe é o ser mais
avançado que existe porque faz tudo, mesmo por quem não merece. Mãe é o ser
humano mais forte que existe, porque suporta o que homem nenhum, nem na guerra,
suportaria. E preconceito é grande onde a cabeça é pequena. Porque como uma
pessoa com síndrome consegue amar mais do que quem possui tudo na mão e não
valoriza?