sábado, 12 de maio de 2012

Mãe de luta, mãe de coração




Luiz Sanches

Selma é uma mulher sofrida e batalhadora, assim como a maioria das mulheres de bem. Veio da cidade do interior para a cidade do Rio de Janeiro com a promessa de vida nova, junto com única filha de cinco anos de idade, na época. Selma trabalha de atendente em uma loja de cosméticos, gastando algo como nove ou dez horas por dia no trabalho, umas duas no transito de casa ao trabalho, outras duas arrumando casa ou fazendo janta e sabe-se lá quantas dormindo, para logo levantar e se preparar para a sua labuta diária. Sua filha, Jéssica, com treze anos de idade, se não é a filha legítima do capeta, é adotada por ele. Jéssica, ou paninha, como é conhecida pela “turma do mal”, só aprendeu coisa que não presta nesta vida. Some de casa por dias, só aparecendo para comer algo ou roubar o que ainda sobra da pobre mãe batalhadora, para trocar por um sem número de tipos de drogas. Já foi presa, já apanhou, e por falar em apanhou, sua mãe Selma nem sabe quantas vezes curou machucados da “coitadinha da querida filhinha”, “que até é boa pessoa, mas o seu problema são as companhias”. A única coisa que recebe de gratidão da “filhinha” é a má resposta e o desrespeito, nos dias que aparece em casa. Selma sem saber o que fazer e necessitando trabalhar, deixou por vezes Jéssica aos cuidados do marido, por quem se casou alguns anos depois de vir ao Rio de Janeiro, já que o pai de Jéssica ficou no interior com outra qualquer. Sem sucesso, seu marido perdeu a cabeça em quantas vezes tentou segurar os ânimos explosivos da “filhinha querida” e quantas vezes brigou com Selma por conta das mal criações dela, e, por fim, se separou de Selma.
Certo dia, Jéssica, com seu namoradinho de merda, que só sabia lhe explorar para comprar droga, resolveram realizar um assalto mal planejado e terminaram alvejados por três tiros a queima roupa, cada um. Selma perdeu a vida junto com a filha. A depressão a tomou por inteira, toda e cada uma de suas células. A certeza de não poder concertar a filha a tempo, mesmo se esforçando, lhe travava a mente. Selma perdeu o emprego e ganhou mais dívidas. Nada em sua vida fazia mais sentido. Mesmo a filha sendo a pior filha do mundo, era sua filha e mãe, é mãe. Ninguém compreende o amor de mãe. Este é o amor mais puro que existe; incondicional, natural, feliz, que agrupa tudo o que há de mais profundo e carinhoso em qualquer emoção humana e transforma essa emoção em filhos. Mãe cria um filho por sabedoria que livro não ensina, com amor que nem a bíblia sabe exprimir, com dedicação que nem o melhor amante realiza por alguém. Imersa nesse dor, a maior dor que um ser humano pode suportar, Selma após uns dois anos sai de sua depressão e recomeça a vida. Obvio que os visinhos agradeceram aos céus pela ida da pequena demônio aos infernos, porém, para Selma, só a “filhinha querida” poderia suprir sua saudade. E num dia desses, saindo para conhecer um novo amor, num bar copo sujo, conhece um rapaz “meio bobão” e bebida vai, saideira que nunca sai, Selma teve uma idéia maluca: levar esse rapaz já bêbado para a cama, transar sem camisinha, para tentar ter outra filha. A noite acabou, o rapaz ela nunca mais viu, o tempo passou e o teste revelou: gravidez! Sua idéia mirabolante irá gerar uma nova vida, sem marido, com dívidas aos montes, mãe solteira e mais: no pré-natal descobre que é menina (que felicidade), com síndrome de Down. Selma quase retira a própria vida junto ao bebê que vai nascer. Só não tirou, porque descobriu amizades onde nem pensava que existiriam. No seu tempo de depressão, se enclausurou, ninguém soube de sua dor, mas na gravidez descobriu amizades que se uniram em prol da vida que vai nascer. Recebeu ajuda de parentes que nem se lembrava, desconhecidos apareceram e criaram amizades fortes. Descobriu que existe mais gente pronta para ajudar que imaginava.
Os anos se seguiram e Selma cuida de sua filha e trabalha. O que nem imaginava é que o mesmo ventre que gerou uma diaba, gerou uma anja. Célia, sua nova filhinha querida, é um doce de pessoa, sabe carinhar, lhe traz café na cama, se tornou o xodó dos visinhos e experta, ao seu modo. Célia aprendeu a cuidar das outras crianças da creche ao lado de sua casa, ganha o seu dinheiro e o entrega todo a sua mãe, para ajudar nas dívidas de casa. Fez comercial num programa de televisão, salvou um cachorro atropelado na rua, que ninguém se importava, virou companhia dos vovôs solitários e num dia desses, entregou uma rosa à mãe, do nada, dizendo que a ama, que é a melhor mãe do mundo.
Não importa quem são os filhos. Amor de mãe é independente. Mulher que é mãe é o ser mais avançado que existe porque faz tudo, mesmo por quem não merece. Mãe é o ser humano mais forte que existe, porque suporta o que homem nenhum, nem na guerra, suportaria. E preconceito é grande onde a cabeça é pequena. Porque como uma pessoa com síndrome consegue amar mais do que quem possui tudo na mão e não valoriza?