domingo, 3 de fevereiro de 2013

Causos da roça

Luiz Sanches

Seu" Pereira é um senhor de avançada idade, morador da roça desde criança, cabelos brancos como a neve, certo dia, visitado pelos seus netinhos, conta um de seus "causos", assim descrito com suas palavras carregadas do "palavriado do interior":

"Quando eu tinha lá pruns 18 ano, tinha uma mocinha com o nome de Ana Maria qui eu já tinha visto umas trêis veis, mas só de longe. O pai dela era um fazendero bravu e ai eu pensei: -mais eu vô é lá fazê uns trabai pra ele e conheço a fia do patrão. Pois bem, fiquei sabendo qui o omi tava pricisando de gente, ai foi o Primo Antoin mais eu. O Antoin era muito medroso nessa épuca, tinha lá seus 16 ano. E ia nóis naquela cavalgada boa, se divirtindo, contando os causo da roça, as lembrança de minino. Ai eu falei: oh Antoin, eu tô assim com vontade de se aproximá duma moça lá na casa. Quando nois chegá lá cê vê si distrai o pai dela pra nóis podê papiá um mucadin. -Intão tá.-dizia o Antoin."

"E fomu. Chegamo naquela fazenda bunita, com umas coisa diferente que só homi grande pudia comprá. E de inicio nóis cunheceu o dono da fazenda. Mais oh homi difici de entendê o qui ele fala. Ele falá umas palavra tudo imbolada, com um jeitão assim todo bruto, parece qui tá xingando, mais é o jeito dele de bulbuciá, parece qui tinha umas abelhas na lingua. Ficava falando lá e nois só balangando a cabeça sem intendê nada. Bom, inda bem qui a  Dona Critéria, a patroa dele, tava lá e fazia a gente intendê u qui o homi falava. De veis inquando ele falava algo e nóis balançando a cabeça pra mostrá qui tava ouvindo, ele batia a mão na mesa nervoso, ai a dona Critéria falava qui ele tava pirguntando algo pra nois. ha ha ha! Oh homi dificil! Ai ele falô para nois trabaiá lá e falô qui tem umas tora de madera qui vai chegar antes do armoço qui é pra nois i lá pegá perto da istrada. Tá bom..."

"Ai nois intrô mais pra dentro pra tumá um café e eu assim todo emocionado achando que ia ver a Ana Maria, mas veio foi o Vitin, irmão dela. Oh muleque disgramado! Oh minino artêro! Era daquelis minino qui gostava de apurrinhá e se metê onde num é chamado. E o Vitin ficava azucrinando nóis lá. Falava assim: -Vamu brincá de piqui iscondi? Mais eu num sei quantas veis esse muleque insistiu nisso e garrava minha camisa e puxava, mas quiria porque quiria. Oh vontade de dá uns tapa nesse muleque. E danava a ficar perguntando coisa pra nóis e a gente num queria prosear. Ai nóis ficô calado. E o minino falava: -Cês tão brincando de vaca amarela? Outra hora ele viu um papilin qui eu tinha no bolso, puxou e saiu desimbestado."-Dá isso aqui, dá isso aqui minino..." dizia eu correndo atrais dele e Antoin rindo deu. E lá tinha um cachurrim branquim de uma raça esquisita, um tar de pudi, puli... ah sei lá!"

-Deve ser poodle vovô! Interrompe um dos netos.

-É isso mesmo! Má voltando pro causo... "Era um bichin chato que ficava relando e agarrando nas perna da gente fazendo bubiça. Mas nóis cheguemu na beira da istrada i lá tava as tora. Mais as tora era pesada só. Qui treco difici de levantá. Dois era pouco homi. Quando nóis foi pô a terceira tora, colocamo um canto dela na carroça e no otro canto tava Antoin mais eu levantando e a madeira dislizô duma veis pra fora da carroça e nóis ouve um grito de cachorro e quando nóis oia, era o pudi..."

-É poodle vovô! -interrompe novamente o netinho. -Intão mininu, pudi é o qui eu falei! "Intão, o tar do pudi foi ismagadu pela tora. Tava murtin qui nem galinha morta na panela. Aí o medroso do Antoin falô: Má de onde esse bicho veio? Nóis num viu ele chegá. Ai, minhas veia ta sartando do pescoço! E o Antoin tava se borrando todo."

"Aí eu falei: Que qui eu faço? Num pode falá qui o patrão é nervosu. Se subê, pode matá é nois. Si eu morrê, eu perco o dia de sirviço. Si Ana Maria discobri ai tá tudo se acabado de veis. E eu vi la na cabiceira que invia alguém. Quando eu vejo, é o Vitin."

"-Eu ouvi um grito de criança e vim ver o qui é. -Falô o Vitin. Eu acho qui ele ouviu o grito do cachorro quando a tora caiu nele e ta achando que é criança. De pronto eu respondi ligeiro: "-Né cacho... han, han... Né criança não. É o Antoin que quando machuca grita qui nem mulé. Mas vamu imborada logo qui aqui né lugar de menino apurinhá não." Mais moço, esse foi o trabaio mai ligero qui nóis tinha feito pra gente se iscafedê logo dalí, que se a peste do minino vê o pudi nóis tava lascado."

"E dizia o endiabrado do minino.-Quero andar de cavalinho! Pra tirá logo ele dalí peguei de cavalinho e o Antoin pegou a carroça e o muleque vem atasaná de novo: -"eu vou mostrá pru ceis como se faz os boi andá rápido", e taca pedra nos boi. Com muito custo, nóis voltemo pra fazenda. Como a tora de madeira tava manchada de sangui e num dava pra tirá, eu cortei o braço com uma faca pra falá qui o sangui era meu. Quando nóis chegô, o dono da fazendo de la de fora começo a fala as palavras esquisita qui so ele intendi. Eu só intendi a ora qui ele falô: trais us homi la. E o homi tava bravo qui neim touro amarrado e foi esbravejando com nóis: "-Purque tem pêlo de cachorro junto destas tora? Cadê o meu pudi qui eu vi ele indo cum céis e qui...." e falô cuspindo mais coisa que ninguém intendia."

"Ah, já qui lascô de veis e eu vendo o Antoin delegando nóis com aquela cara de cagado aí eu falei duma veis que se nóis morresse qui morresse igual homi: oh, nóis tava lá pegando as tora, aí caiu uma tora no tal de pudi que ficou igual leite pastoso e eu achei foi é bom! Num foi de querer, qui eu vim cá trabaiá e agora eu já vô é parti. Vamu ô Antoin, fecha logo essa torneira de tráis sinão cê vai tê um dilurimento aí e vai é cagá na sala. Aí eu dei um passo pra frente e voltei na hora pra dá um biliscão mas foi com gosto na zureia daquele mulequi do Vitin. Qui se nois morresse ali ao menos um gosto eu teria. Juntamo a tropa, num tive nem coragem de zoiá a Ana Maria que chorava, subi o lombo do cavalo e fui-me embora. Só ouvi o omi resmungando uns treco difici de entendê e falei: -agora é a hora! Deve tê pegado a garrucha ou o facão!"

"Quando nois tava saindo de perto da casa veio a purcaria do cachorro latindo com o cavalo. Uai? resulcitou? É cão do capeta? Será qui nem o capeta quis ele lá? Aí eu num sabia se era milagre ou disgraça. O meu companheiro que parecia tá cagado agora já tava até fedendo dispois dessa visão. A Dona Critéria tava na janela e falô: "-ô Pereira, eu ví o sinhô falando que matô o cachorro do patrão, mas eu acho qui o sinho matô foi o irmãosinho do pudi e é da fazenda do visinho. Agora o sinhô vai ter qui í lá ispricá mas eu já vô avisando: ele é mais nervoso qui o meu marido." Ahhhhh mais aí quem se cagô foi eu. Eu saí dalí a galope e nunca mais pisei naquelas banda. Ha ha ha ha."

Assim terminou a história do "Seu" Pereira, em momentos cada vez mais difíceis de se ver hoje em dia, mas que valem ouro; netos atentos a avós e não em computadores.

Um comentário: