Luiz Sanches
Quando fui trabalhar de secretária do Seu Alcides, presidente de uma empresa de transportes, não sabia que conheceria um dos homens mais importantes da minha vida. Seu Alcides é um homem careca, de boa aparência, baixinho, um pouco tímido às vezes e falador demais por outras. Nunca o vi gritar com um só funcionário. Tinha esposa e filhos e uma casa na praia. Nem sempre tudo foi flores para o Seu Alcides, que nasceu no interior da Bahia, numa humilde casa. Seu pai nunca conheceu e é o filho do meio entre seis irmãos. O futuro não lhe reservava grandes esperanças. Deveria lutar com unhas e dentes para ser alguém no meio da multidão e foi o que ele fez. Não tem vergonha alguma em dizer que só fez um supletivo aos quase trinta anos, quando aprendeu a ler e escrever. Mesmo assim se tornou o presidente da empresa que foi contratado inicialmente como caminhoneiro. Superou a inveja dos mais qualificados e se adaptou rapidamente a cada posto que exercesse, até tornar-se presidente.
Pregava dizeres nas paredes como: se fizeres o que gosta não terá que trabalhar um só dia em tua vida. Autor Warren Buffet", "Você é o maior patrimônio desta empresa", "Doe um sorriso e ganhe três", "Divirta-se, esse é o seu trabalho" e muitos outros.
Não era difícil entender porque um caminhoneiro subira ao posto de presidente: sempre que via uma sujeira, tratava de limpar ele mesmo e não se importa se a faxineira está à toa; sempre traz novas idéias para melhorar a logística da empresa ou para facilitar o trabalho; é o maior defensor de um funcionário, quando este está certo vai até contra o patrão; mas o que mais lhe ressalta, é a competência no que faz e a capacidade de resolver conflitos. Num dia desses, fui lhe perguntar como perdoar uma grande grosseria que recebi de um funcionário.
-"Oh, minha flor", assim me chamava, "Você não deve pensar em perdoar." Respondeu Seu Alcides.
-"Mas como não Seu Alcides?" -Indaguei perplexa.
-"Pense em entendê-lo. Coloque-se no lugar dele. Compreenda porque ele fez o que fez. É natural que você se sinta mal e com sede de vingança, mas não é correto que permaneça por muito tempo com esse sentimento. Reflita bastante e veja onde foi que ele errou, isso se ele errou ou só falou o que você precisava, mas não queria escutar. E o principal: veja onde foi que você errou e como se conciliar com ele. Eu entendo que não se deve perdoar porque disseram que você tem que fazer isso. Entendo que o perdão é como o trabalho, que tem como consequência o salário; se você compreende o outro a consequência é o perdão. Aí é fácil perdoar... É natural e sem guardar mágoas."
-"E se o que ele fez me magoou muito?"
-"Aí, minha flor, a sua compreensão terá que ser muito maior, o que te tornará uma pessoa muito mais sensata."
Certo dia lhe perguntei como ascendeu na empresa, e sua resposta foi -" Para crescer, Aprendi que preciso ouvir. Ouvir é uma arte que pouca gente sabe exercer. Aprendi que não adianta ouvir sem memória. A memória permite que eu não repita um erro. Aprendi que não adianta memória sem reflexão, que permite que eu possa entender onde errei e como acertar. Aprendi que não adianta reflexão sem ação, porque seria como ter uma biblioteca e ficar durante o dia vendo televisão. Tenho funcionários que agem como se fossem portadores de deficiência física. Fica um mudo do lado de um cego: o mudo vê e não fala nada, o cego ouve mas não vê nada. Eles que se auto limitam e nunca avançam por isso. Só não os mando embora porque eu sou a ação, e eles, como se executa a ação. Todos precisamos de todos. Eu cresci nesta empresa porque acreditei em mim mesmo."
Infelizmente, Seu Alcides faleceu ano passado vítima do coração. Compreendi o quanto de valor tem um homem simples. A empresa perdeu muito dinheiro nos meses seguintes ao seu falecimento, não só porque perdeu um presidente, mas porque perdeu um pai.
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