sexta-feira, 2 de março de 2012

Seu Alcides, o presidente da empresa


 Luiz Sanches


Quando fui trabalhar de secretária do Seu Alcides, presidente de uma empresa de transportes, não sabia que conheceria um dos homens mais importantes da minha vida. Seu Alcides é um homem careca, de boa aparência, baixinho, um pouco tímido às vezes e falador demais por outras. Nunca o vi gritar com um só funcionário. Tinha esposa e filhos e uma casa na praia. Nem sempre tudo foi flores para o Seu Alcides, que nasceu no interior da Bahia, numa humilde casa. Seu pai nunca conheceu e é o filho do meio entre seis irmãos. O futuro não lhe reservava grandes esperanças. Deveria lutar com unhas e dentes para ser alguém no meio da multidão e foi o que ele fez. Não tem vergonha alguma em dizer que só fez um supletivo aos quase trinta anos, quando aprendeu a ler e escrever. Mesmo assim se tornou o presidente da empresa que foi contratado inicialmente como caminhoneiro. Superou a inveja dos mais qualificados e se adaptou rapidamente a cada posto que exercesse, até tornar-se presidente.
Pregava dizeres nas paredes como: se fizeres o que gosta não terá que trabalhar um só dia em tua vida. Autor Warren Buffet", "Você é o maior patrimônio desta empresa", "Doe um sorriso e ganhe três", "Divirta-se, esse é o seu trabalho" e muitos outros.
Não era difícil entender porque um caminhoneiro subira ao posto de presidente: sempre que via uma sujeira, tratava de limpar ele mesmo e não se importa se a faxineira está à toa; sempre traz novas idéias para melhorar a logística da empresa ou para facilitar o trabalho; é o maior defensor de um funcionário, quando este está certo vai até contra o patrão; mas o que mais lhe ressalta, é a competência no que faz e a capacidade de resolver conflitos. Num dia desses, fui lhe perguntar como perdoar uma grande grosseria que recebi de um funcionário.
-"Oh, minha flor", assim me chamava, "Você não deve pensar em perdoar." Respondeu Seu Alcides.
-"Mas como não Seu Alcides?" -Indaguei perplexa.
-"Pense em entendê-lo. Coloque-se no lugar dele. Compreenda porque ele fez o que fez. É natural que você se sinta mal e com sede de vingança, mas não é correto que permaneça por muito tempo com esse sentimento. Reflita bastante e veja onde foi que ele errou, isso se ele errou ou só falou o que você precisava, mas não queria escutar. E o principal: veja onde foi que você errou e como se conciliar com ele. Eu entendo que não se deve perdoar porque disseram que você tem que fazer isso. Entendo que o perdão é como o trabalho, que tem como consequência o salário; se você compreende o outro a consequência é o perdão. Aí é fácil perdoar... É natural e sem guardar mágoas."
-"E se o que ele fez me magoou muito?"
-"Aí, minha flor, a sua compreensão terá que ser muito maior, o que te tornará uma pessoa muito mais sensata."
Certo dia lhe perguntei como ascendeu na empresa, e sua resposta foi -" Para crescer, Aprendi que preciso ouvir. Ouvir é uma arte que pouca gente sabe exercer. Aprendi que não adianta ouvir sem memória. A memória permite que eu não repita um erro. Aprendi que não adianta memória sem reflexão, que permite que eu possa entender onde errei e como acertar. Aprendi que não adianta reflexão sem ação, porque seria como ter uma biblioteca e ficar durante o dia vendo televisão. Tenho funcionários que agem como se fossem portadores de deficiência física. Fica um mudo do lado de um cego: o mudo vê e não fala nada, o cego ouve mas não vê nada. Eles que se auto limitam e nunca avançam por isso. Só não os mando embora porque eu sou a ação, e eles, como se executa a ação. Todos precisamos de todos. Eu cresci nesta empresa porque acreditei em mim mesmo."
Infelizmente, Seu Alcides faleceu ano passado vítima do coração. Compreendi o quanto de valor tem um homem simples. A empresa perdeu muito dinheiro nos meses seguintes ao seu falecimento, não só porque perdeu um presidente, mas porque perdeu um pai.

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