quinta-feira, 8 de março de 2012

Seu Adê, o Moribundo



Luiz Sanches


João Adenilson, senhor de idade avançada, lá pelos... han... oitenta... noventa anos ou até mais. Este é o Seu Adê, para os amigos e parentes. Possui nada menos que quinze, eu disse quinze "filhos homi" e "filhas mulé". Cuidou de todos com devoção e amor sofrido no caminho da vida em conjunto com Maria das Dores, falecida a dez anos. Agora chega a vez do Seu Adê. Médico nenhum sabe exatamente do que sofre; é uma dor no peito forte, mas não é nenhuma doença detectada.
Seu Adê é abastado, arrendou três fazendas batalhando ao lado da querida Maria das Dores. Resolve chamar os filhos distantes para dizer aos ouvidos qual é a herança de cada um. Todos os filhos tiveram a mesma criação, mas cada um é um. Seu Adê tem distante a Dorinha, estilista que mora em São Paulo, que não se dá bem com alguns dos irmãos. Já Tiló, como é chamado, pode ser que venha também. Este não aparece desde o enterro da mãe. Tiló e os outros irmãos são como cão e gato. Somente estes que encontraram desavença na pacata casa do Seu Adê, que procurou sempre uma maneira de conciliar, sem sucesso.
A primeira a chegar é a Dorinha, toda emotiva, chorando horrores (a família sabe que é fingimento). Ela se mostra abalada, abraça o pai, reclama que o lençol é feio, que o travesseiro tem que apoiar as costas, que o pai precisa de uma camisa nova, e que isso, que aquilo, mas só manda. Não faz nada. Abraça o pai desconcertada e rapidamente, possivelmente com medo de que a dor no peito do pai lhe possa transmitir. Não demorou em ressaltar o veneno dissimulado pela emoção que a abala: "oh pai querido, o senhor sabe que eu moro longe e não posso ficar sempre com o senhor. Não é porque eu estou distante que mereço menos terras". Claro que os irmãos ouvintes quase se enfurecem que o veneno sorrateiro da loba em pele de cordeiro, mas relevaram em nome da saúde do pai. Seu Adê sorri e exclama:
-Minha filhinha querida, "ocê" é um orgulho! "Se formou", "tá" bem de vida. Eu queria tanto ter um neto "docê"... "Cê" vai "ficá" de herança com a casa, "tá" bom?
Dorinha agradece, sem graça, meio sorriso, porque esperava mais que isso e diz que tem compromisso em São Paulo. Os irmãos questionam como o Seu Adê consegue aguentar tanta falsidade, que responde:
-Porque "os pai" tem que aprender a ver o que há de "mió" nos "fios", sem ficar xingando o seu mal. Existe muita coisa boa em cada um no mundo. "Inté" um ladrão faz "coisas boa" para alguém. "Inté" um ladrão faz falta para alguém. O que ela faz é muito "pititin" para eu não querer ela sempre "pertin" de mim.
Uma hora após a saída da Dorinha, Tiló, vindo da longa viajem, atravessa a porta do quarto do Seu Adê apressadamente e logo exclama chorando -"Pai..." - a emoção foi maior que poderia suportar - "eu só percebi o quanto gosto do senhor depois que recebi o telefonema. Só vi o quanto o senhor faz falta na minha vida agora e.... e.... eu... não... perder... eu..." A emoção o tomou. Nunca se vira a Tiló tão emocionado. Nunca chorou tão forte. Todos o seguiram nas lagrimas. Neste momento, todos os irmãos eram um só! As desavenças não mais existiam. Ficou junto ao pai durante toda a tarde. Palavras não são o seu forte, mas a mão do pai segurava forte. Precisava voltar a sua cidade e foi envolto em lágrimas e nem quis saber da herança.
Tininha, a caçula, se aproxima do pai nas últimas e diz:
-Pai, os dois já foram embora! Que dia feliz para o senhor, hein? Viu os filhos que nunca te visitam.
Seu Adê levanta da cama e quer ir para a roça trabalhar a todo vapor.
-É minha "fia"! "Fingí" que "tá" doente não é fácil. Ano "qui" vem "cês" tem que inventar uma doença com médico e tudo. Agora vamos "trabaiá" que se fica parado "nois" morre!

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