quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Seu Ernestinho, o jogador de futebol


Luiz Sanches

Seu Ernestinho, casado, quarenta e seis anos, cinco filhas, manca de uma perna e usa bengala desde jovem, vítima de acidente de carro, correndo atrás da bola que lhe escapara, nas quartas de final do campeonato do futebol. Por esse motivo, nunca pôde ganhar o campeonato.
É vidrado por futebol, vê de pé na televisão o jogo e quando o jogador dá o chute rumo ao gol, seu Ernestinho chuta junto, o ar, e por vezes cai no chão; chuta com a perna boa e se apoia na ruim. Dona Sintia bem que faz suas recomendações ao aficionado torcedor, que após a queda exclama no chão o grito de gol - quer mesmo é festejar.
Seu Ernestinho é contador, mas sonhava em ser jogador de futebol, impedido pelo acidente de carro. Tentou inutilmente ter um filho jogador, mas desistiu na quinta filha. Encaminhou um sobrinho, que virou médico. Tem a casula que está enrolada com um rapaz aí que torce pelo mesmo time do Seu Ernestinho: o orgulho do futuro sogrão!
Seu Ernestinho tem duas vidas: o antes e o depois do acidente. Antes da tragédia, jogava bem, era um jogador exímio. Necessitava de mais treino, mesmo assim, se destacava no clube. Chegou a jogar com o Pelé e driblá-lo. Seu Ernestinho zanga-se se alguém da família disser que aquele é outro Pelé, um qualquer. Fez o que Neymar nem sonha em realizar: pisou na bola quase no gol e caiu, a bola rolou... E gol!
Quando começa um jogo do Brasil, sempre diz com um sorriso escancarado: -"eu poderia ter jogado na seleção! Em 79, na grande área, passei por quatro e mais o goleiro e sozinho fiz o gol! Ah moleque! Pro papaizão todo goleiro virava frangueiro! Era pá, pum, vinha de cá, depois tum e gol!" - dizia em pé, chutando e demonstrando como foi a jogada e a filha Marta (nome em homenagem a jogadora de futebol) o alertando de lá da cozinha que poderia sofrer uma queda. Lógico que seu Ernestinho continuava encenando seus passes e dribles. Detestava que não lhe confiassem que poderia manter-se em pé ou que lhe ajudassem a subir uma escada ou degrau: tinha a plena certeza que até poderia jogar novamente! Por isso, ao passar pela molecada na rua jogando bola, pedia para ficar na "de fora". Os garotos se entreolhavam sem saber o que falar e permitiam que ficasse ali esperando sua vez, mas ao termino da partida, todos caçavam o seu canto. Hora diziam que acabou a partida, que tinham outro compromisso, ou era a decisão de qualquer campeonato, sei lá, só sei que Seu Ernestinho nunca jogava. Houve a vez que um dos garotos ficou no campo com a bola depois da partida. Seu Ernestinho com um sorriso no rosto jogou a bengala de lado, se aproximou mancando com um grande sorriso, muita esperança e perguntou quase cantarolando: -"e aí garoto, vamos jogar só nós dois?" O garoto disse que a bola não era dele e correu para entregar a bola a outro, que ficou surpreendido, mas a levou.
Certo dia um garoto qualquer da plateia difamou o Seu Ernestinho no Facebook: "ele acha que vai jogar críquete com aquela bengala?", " deixem ele jogar e será uma palhaçada", "que se jogar todo mundo vai rir dele", etc. A turma resolveu chamar o Seu Ernestinho para jogar. Levaram máquinas de filmar para colocar no YouTube os tombos do homem manco. Suas filhas a todo custo o impediam de ir ao jogo e lá foi ele quando elas se distraíram. Ter sido chamado fazia o coração acelerar, estava de novo feliz e muito feliz. Procurou não mancar na entrada do campo, mesmo com a emoção lhe tremendo as pernas, só não conseguiu segurar a lágrima que escapuliu dos olhos. Era o seu momento de glória, sem nem o jogo começar. Nada foi mais esperado. Uma das filhas chegou aos prantos e da plateia pedia ao pai para abandonar o campo, quando a bola chegou pela primeira vez aos pés do pai. Ele se segurou na perna ruim e bum... com a boa desferiu um chute tão forte que foi gol do meio de campo. Foi silêncio imediato da plateia, seguido de alvoroço. Seu Ernestinho jogou um bolão. Não conseguia correr, mas driblava, passava e fazia gol. Aguentou com dor os 90 minutos. A plateia nunca curtiu tanto, o carregaram, a família se surpreendeu e não o vê mais como um inválido, ficou famoso no YouTube e fez entrevistas na televisão. Conheceu o Pelé, que confirmou ter jogado quando jovem com ele, para surpresa da família.
Hoje Seu Ernesto joga poucas vezes, trabalhou como juiz de futebol e ganhou o sonhado campeonato, como técnico do time.
Quanto ao garoto que o ridicularizou pelo Facebook, agora conta as histórias do Seu Ernestinho, "que jogou com o Pelé", "fez o gol sozinho contra quatro e o goleiro": na verdade, o garoto é o próprio Seu Ernestinho, que fez um perfil falso e enganou todo mundo.


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