domingo, 8 de janeiro de 2012

Seu José e o Celular

 Luiz Sanches

Seu José é homem baixo, um pouco careca, semblante agradável com algumas manchas na pele, modesto e carismático. Após cinco horas de rodoviária, chega à cidade grande, que só vem visitar quando precisa mesmo. Dona Maria ficou em casa, cuidando dos netos e do papagaio, que aprendeu a falar aquele nome feio, por culpa do Seu Ernesto, que passa todo dia em frente a casa reclamando da vida sozinho. Já tentaram interná-lo algumas vezes, mas o manicômio da cidade tem muros muito baixos. Para falar a verdade, não é manicômio, é só a casa do vereador foragido da cidade, mas ninguém liga pra isso.
Seu José comprou um celular duma moça bonita e com um tique estranho de balançar a cabeça, que vendia numa Kombi velha. Seu José não sabia ao certo nem como ligar o aparelho, mas achou bonitinho um bichinho se mexendo na tela. Também tinha como toque uma musiquinha que lembrava algo da infância. Certo é que o bendito depois de comprado nunca mais tocou a tal musiquinha. Talvez precisasse enfiar uma moeda para ele tocar...
Seu José logo correu para casa para apresentar a novidade a Dona Maria, mas não podia antes deixar de jogar com os amigos uma sinuquinha, tomar a "marvada" e urinar na árvore do lote vago, coisa que repudia a Dona Maria e a estremece até a ponta da "carcunda". O problema é que o tal do celular ninguém sabia fazer funcionar, só o Zezinho, filho do Seu Bartolomeu, que não saía mais da casa do Seu José todo dia depois da aula, pra jogar um joguinho no celular com uns barulhos irritantes. Pior é quando assustava a Dona Maria gritando de lá da sala: "-ganhei, ganhei, fiz 10.000 pontos!" Ninguém ligava para o celular do Seu José, afinal ligar para celular é caro. Era mais fácil ir lá tomar um cafezinho e "jogar prosa fora". O Juquinha Maleiro, e não me pergunte o porque do Maleiro, relatava que o celular nunca que dava sinal. Seu José ficava maravilhado em saber que o celular servia para falar em qualquer lugar e agora esperava ver ele dar um "sinal" qualquer, sei lá de que, mas torcia para ver a tecnologia que nunca funcionava. Um dia de manhã tomou a decisão: "-Cê qué mais sabê? Eu vô é acabá com essa porcaria e é pra já!", e tomou o ônibus da rodoviária para a cidade grande.
Chegou à loja de celular para cancelar o seu plano. Cansado, mas sempre com um sorriso no rosto, fala: -"Diiia Dona! Quero cancelar esse celular". A moça de pronto retira uma senha do computador e pede para sentar ao lado e esperar. Depois de uma meia hora, chamam a senha do Seu José, que disse querer cancelar o celular. Informam-lhe que não é naquele setor e lhe entregam outra senha, sobe ao segundo andar e depara-se com muito mais gente esperando que imaginasse. Uma hora depois outro atendente o revela que estava no andar errado, que precisava subir as escadas até o último andar. Depois de duas horas, Seu José reclama da demora e um vigia comovido diz a ele que já tinha sido chamado e pede para descer ao primeiro andar e pegar outra senha e depois subir de novo. Lá vai o Seu José e após mais uma meia hora, uma atendente chama a sua senha.
-Tarde moça! -exclama já sem forças o Seu José.
A atendente, com uma voz robótica, fala sem entonação, como se estivesse lendo o que diz: "- boa tarde senhor, o meu nome é Fátima. Com quem eu falo?"
-"Eu também tô querendo saber com quem eu falo para poder"... "-Em que posso ajudá-lo senhor?" - interrompe a atendente.
- Eu vim aqui pra poder cancelar esse celular.
-Mas por qual motivo?
-É que lá na minha cidade eu não preciso dele.
-Mas como não senhor? Não há ninguém que não precise. Como o senhor vai se comunicar com os seus amigos?
-Todos moram perto.
-Mas com o celular o senhor não vai precisar andar até a casa deles.
-É que são todos vizinhos.
-Mesmo assim, hoje em dia nem precisamos bater a campanhinha; é só fazer uma ligação. Além do mais o senhor não usa o celular só para conversar. Este celular do senhor tem Bluetooth e Wap.
-Essa coisinha aqui tem wap? "-Sim senhor", responde rapidamente a atendente quase atropelando as palavras.
-Nossa, como as tecnologia tá avançada. E é tão "pititin". Mas me diga só uma coisa: o que é Wap?
-Só um momento que vou verificar senhor. A atendente fica digitando. Senhor, para sua segurança, me informe os três primeiros dígitos do seu cpf e seu nome completo.
-Lá na roça eles me chamam de "Zé das cabrita".
-Não senhor, o nome completo.
-Jose Maria Mariano Joselindo Silva Neto. Eu sou "fio do..." e interrompe novamente a atendente: "-Qual a cidade do senhor?"
-São João do povo esquecido. Fica perto do Mato Grande da...
-Correto senhor. Só mais um instante enquanto verifico a sua solicitação. E fica a atendente digitando algo. -"Mais um instante", após uns minutos: "-Só mais instante senhor. Senhor, desculpe a demora e obrigado por aguardar. Quanto à solicitação do senhor, Wap é para acessar a internet."
-É mesmo? Então dá pra conversar com outra pessoa lá nos estados unidos?
-Não senhor, o aparelho do senhor não tem essa função, mas estamos com uma excelente promoção, se o senhor adquirir o plano fale 300 o senhor leva de graça um celular novo com bluetooth, mp3, mp4, mp7, mp12, mp15, tela Touth Screen, Wap, TV, SMS, MMS, 8 gigas e câmera 5 mega pixels.
Seu José olha para os lados procurando alguém e exclama: -oi dona? A senhora falou foi comigo?
-Sim, o senhor pode trocar o seu celular que já é muito antigo; já tem 4 meses que foi lançado. Estamos com uma super oferta, o plano está saindo de R$175,00 por apenas R$169,90 por mês! O senhor já paga R$ 35,90 por mês, não vai apertar. Está imperdível, vamos fazer? É só assinar aqui.
-"Cruis credo" dona, eu sou aposentado. Cancela isso logo que eu não quero mais saber dessa porcaria "mais" é nunca na vida!!!
Lá pela décima insistência da vendedora, e Seu José irritadíssimo, entraram no processo de cancelamento, que deveria durar mais uma hora para cancelar. Seu José já se encontrava aliviado de retirar de vez o celular da sua vida, pensava que não daria mais tempo para voltar para a sua cidade naquele dia; deveria dormir na rodoviária para pegar o ônibus logo cedo. De repente, o celular toca aquela musiquinha que lembrava algo da sua infância, enquanto um bichinho bonitinho se movia no tela: era uma chamada! Com muito custo, Seu José atende sua primeira chamada, que era uma ligação da operadora de celular fazendo qualquer anúncio. O interessante foi que o Seu José ficou maravilhado com a ligação: o acharam logo ali! Resolveu continuar com o aparelhinho, comprou o plano que a atendente insistiu em vender e voltou para a sua cidade com o celular antigo e um novo, que presenteou a esposa.
Certo que ninguém tinha celular para ligar para ele. Certo também que não podia mais se socializar com os companheiros de boteco e sinuca: o plano é caro demais. Mas permaneceu com o aparelho somente para sentir a Dona Maria sempre por perto, mesmo longe!

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