Luiz Sanches
Jogado as
traças, fedendo pela falta urgente de um banho, fato ignorado pela enfermeira
que trocava o turno e negligenciou para poder jogar paciência no computador.
São três da manhã, sem carros demonstrando que ali existe uma rua, sem
visitas... Ah! Estas nem de dia! Clemente despertou de um sono gostoso para a
vida real. Ele está num hospital da mais alta classe. Seu coração não entra no
passo a décadas e agora suporta o corpo com esforços exorbitantes. A esposa não
demonstrou a esperada luta ao seu lado. O filho, na obrigação urgente em doar
sangue ao decadente pai, descobre, aos 29 anos, não ser filho legítimo deste,
no momento da doação, pela incompatibilidade sanguínea. A gastadora esposa de
clemente o traíra a anos e só agora ele tem conhecimento do fato, para piorar o
já sofrido órgão. Clemente não tem parentes ou amigos que se possam chamar de
próximos. Ele é um astro da música popular. Admirado, invejado, motivado,
contrariado e outros “ados” fizeram de sua carreira um sucesso esplendido, sustentado
por pilares fortes como palitos de picolé. A enorme massa de fãs se silencia à noite
frente ao prédio, que por ser um hospital, por motivos óbvios, precisa de silêncio.
Se este não fosse, a massa gritaria noite adentro o nome de Clemente Pedra, com
poucos conhecendo seu nome de batismo que nada lembra seu nome artístico.
Clemente só
no quarto escuro, com aquela queimação na garganta, com aquele vazio interno, mas
o peito apertado, com sabe-se lá a espera de quê, com um... Como explicar?!?...
Chora o aparente fim do ciclo de vida. Talvez não passe dessa. A falta que
alguém próximo lhe faz. Alguém que não precise ser famoso. Alguém só pra falar
de bobagens. Só pra ali estar, qualquer hora que precisasse. Alguém que sinta
prazer na sua presença e que transforme qualquer ambiente ranzinza em recinto
das risadas. Alguém que compreenda aquilo que não se diz e sinta a falha na
fala quando se declara “eu estou bem!”. Alguém para fazer presença até calado. Alguém
para se importar. Para contar os casos antigos como se acontecesse no instante
que o locutor relata o fato com aquele contento que liga a todos numa mesa de
festas ou numa rua qualquer. Este alguém não há! Talvez seja um pouco tarde
para perceber quanta falta isso fez em sua vida, mascada pelos microfones
afoitos a uma entrevista da sua gloriosa carreira.
Semanas após
a entrada no hospital, os parentes de Clemente se reuniram em lágrimas no
hospital, para preparar os papeis necessários para a partilha de bens, devido
ao falecimento do astro da música popular. O que os tomou de surpresa é que
desconheciam com exatidão a real situação de Clemente (não acompanharam sua
cruel estadia no hospital), e foram enganados pela impressa sensacionalista:
Clemente Pedra vivia e bem! Mesmo desenganado pelos médicos. Sua melhora foi
espantosa e quase milagrosa. Ele descobriu na calada da noite aquela pessoa que
sempre lhe fez falta nos dias e noites de solidão que lhe acompanhavam após os
shows, ou em casa. Não
descobriu um novo amor por uma enfermeira. Não foi uma fã ou um fã que se
aproximou e falou exatamente aquilo que Clemente sempre precisou ouvir. Não foi
o médico que soube exatamente o que existe no mais profundo dele. Foi Clemente
que se descobriu a si mesmo! Viveu a vida para dar alegria aos outros pela sua
música, mas se esqueceu de contentar a si mesmo. Não tinha tempo em meio à
multidão para ouvir a melodia de seu próprio coração. Só falava aos
entrevistadores o que ocorria externamente e nunca ouviu seu interior. Não
aceitou seu nariz e se submeteu a cirurgia, porém agora nota que este era igual
ao da sua mãe. Não se permitiu encantar pelo silêncio sozinho e rir consigo
mesmo. Não se questionou de seus próprios conceitos infundados. Jamais se
divertiu sozinho em meio às montanhas. Não se lembra de realizar projetos novos
e desafiadores, que só permitem conquistas individuais. Não procurou o que mais
gosta de fazer. Não cozinhou nem aprendeu. Não se debruçou ante as pernas numa
encosta para vislumbrar o pôr do sol. Não saboreou o que para ele era
importante e aos outros pouco importa. Só atendeu aos pedidos alheios e
negligenciou os próprios.
Clemente
achou uma companhia que estará sempre contigo, na felicidade ou infelicidade. A
doença foi o alicerce para parar e refletir sobre si mesmo. Se alguém se ama, não
há quem possa derramar ódio para lhe derrubar, já que alguém só se deixa sentir
odiado se no seu interior não exista quem tome partido e demonstre que é na
verdade, um ser amado! Por fim, Clemente se recuperou, porque a cura se faz por
dentro e não só pelos medicamentos. Ele ainda cantou muitos anos após, salvo
por uma amizade de ouro que poucos infelizmente conhecem.
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