Luiz Sanches
Erivaldo é um
homem de costumes, prefere o que é consagradamente certeiro: "time que
está ganhando não se mexe"; esta é uma de suas habituais frases. Não que
seja um homem nervoso, mas por vezes perde a cabeça. Dizem que por isso ficou
calvo. Erivaldo não é um homem de se preocupar com as aparências e possui uma
barriguinha protuberante. Com o avanço da idade, já que possui uns cinquenta
anos, o bigode ganhou uma característica marcante em relação aos outros homens:
o lado direito está com os fios todos brancos e o esquerdo esbranquiçando aos
poucos, ao natural da idade. Parece até que pintou só um dos lados. No novo
emprego, conheceu a Neuza, que é uma mulher que jamais se deixa ser vista sem
maquiagem. Possui como arma batons de cores que nem o arco-íris conhece, sempre
engatilhados para modificar a cor e brilho dos seus lábios carnudos, glitter
para realçar, brincos sortidos e grandes, pó para o rosto, pincéis e mil outros
apetrechos absolutamente desconhecidos pelo mundo masculino. Numa destas conversas
com Erivaldo que tenta se enturmar no novo emprego, a Neuza, muito franca e até
indelicada, vai soltando aos poucos o seu descontentamento quanto à aparência
dele. A Neuza não perde a oportunidade de apontar algo que julga errado nas
pessoas e com o novato Erivaldo não seria diferente; é o seu modo de se mostrar
conhecedora da moda chique e de dar a sua contribuição para que todos fiquem no
"ponto". Numa destas conversas atravessadas e intrometidas da Neuza, Erivaldo
revela:
-Minha mulher
adora a barba, quando nos conhecemos já tinha barba.
-Adora
nada... - Dizia a Neuza - Mulher nenhuma gosta. Olha, ela não fala pra não te
deixar sem graça. Vai por mim, conheço!
Com tanto
falar a Neuza e suas colegas, Erivaldo aos poucos foi cedendo e se sentindo mal
com a sua aparência. Começou a se observar no espelho. Necessitava entregar um
novo homem a sua esposa.
Quando Erivaldo
já estava no emprego a um mês, Luciana, sua esposa, deveria ficar uma semana em
um congresso em outra cidade. Era o momento do ataque da Neuza: -"Erivaldo,
aproveita e mude-se todo para quando ela chegar encontrar um novo homem!".
O levou a um cabeleireiro, cortou a barba, o fez insistentemente comprar uma
peruca, camisa nova estampada, trocar o óculos (o antigo não estava na moda),
comprar uma cinta para segurar a barriga, perfume do tipo que nunca usou, trocou
os sapatos novos porque a cor não estava agradável, até a sobrancelha estava
diferente e os pêlos do corpo depilados e... Erivaldo sem perceber já tinha
gasto todo o primeiro salário. Mas era outro homem. "Pronto!"- dizia
a Neuza com um belo sorriso -"ela vai amar! Agora só falta você fazer um
tratamento para essas estrias, inclusive, a sua mulher também, tem também que
tirar uma papada aqui e diminuir o nariz..." - lá ia soltando os defeitos
da mulher com todas as letras na frente dos vendedores da loja, quando fora interrompida
pelo Erivaldo, que já se cansara de tanta mudança: -"ta bom, ta bom,
preocupa não... preocupa não".
No dia da
volta da mulher, Erivaldo a avisara que teria uma grande surpresa. Preparou o
jantar e os filhos o ajudava, segurando o riso ou espanto, para não constranger
ao pai. Quando ele ouviu a chave na porta dos fundos, correu para abraçá-la e
ao vê-lo, Luciana espalha andares acima do prédio um enorme grito de susto,
crendo se tratar o marido de um ladrão: nunca o vira sem barba e já se
acostumou com a sua careca. Não se sabia quem se assustou mais: ela, o marido
"disfarçado" ou a mulher do terceiro andar com o amante na cama.
Luciana demorou a aceitar a nova "cara metade". Faltava nos beijos a
barba encostando ao seu rosto e a careca charmosa. Gostou da camisa nova, mas
do marido... Como dizer a verdade? Como não magoar o homem que se modificou
tanto para agradá-la infrutivelmente... O conheceu já sem alguns fios na cabeça
e tornou-se mais charmoso a cada fio a menos. Quanto a barba, o admirou de
início por esta. Ter uma barba meio branca não o tornava um palhaço, mas o
"seu" homem em meio à multidão, único, diferente... ele! Sem saber
como elogiar, sentia-se ao lado de um outro qualquer que invadira sua casa e só
pensava: "onde está o meu marido?". Luciana ama ao Erivaldo na sua
forma física como ele é. Nunca sentiu vergonha pela barriga saliente ou a barba
desfigurada. Em meio ao jantar, teve uma ideia, o puxou para cama e apagou
todas as luzes, agradeceu pelo que fez por ela e o abraçou fortemente.
"Ah..." -pensou -"agora sim, esse é o marido que eu amo!".
Sem jamais lhe contar que estava desapontada com as mudanças, tratou de tentar
se acostumar à nova aparência, porque o que importa para ela é o que os olhos
não vêem.
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