quinta-feira, 7 de março de 2013

Erivaldo é um homem de costumes



Luiz Sanches

Erivaldo é um homem de costumes, prefere o que é consagradamente certeiro: "time que está ganhando não se mexe"; esta é uma de suas habituais frases. Não que seja um homem nervoso, mas por vezes perde a cabeça. Dizem que por isso ficou calvo. Erivaldo não é um homem de se preocupar com as aparências e possui uma barriguinha protuberante. Com o avanço da idade, já que possui uns cinquenta anos, o bigode ganhou uma característica marcante em relação aos outros homens: o lado direito está com os fios todos brancos e o esquerdo esbranquiçando aos poucos, ao natural da idade. Parece até que pintou só um dos lados. No novo emprego, conheceu a Neuza, que é uma mulher que jamais se deixa ser vista sem maquiagem. Possui como arma batons de cores que nem o arco-íris conhece, sempre engatilhados para modificar a cor e brilho dos seus lábios carnudos, glitter para realçar, brincos sortidos e grandes, pó para o rosto, pincéis e mil outros apetrechos absolutamente desconhecidos pelo mundo masculino. Numa destas conversas com Erivaldo que tenta se enturmar no novo emprego, a Neuza, muito franca e até indelicada, vai soltando aos poucos o seu descontentamento quanto à aparência dele. A Neuza não perde a oportunidade de apontar algo que julga errado nas pessoas e com o novato Erivaldo não seria diferente; é o seu modo de se mostrar conhecedora da moda chique e de dar a sua contribuição para que todos fiquem no "ponto". Numa destas conversas atravessadas e intrometidas da Neuza, Erivaldo revela:
-Minha mulher adora a barba, quando nos conhecemos já tinha barba.
-Adora nada... - Dizia a Neuza - Mulher nenhuma gosta. Olha, ela não fala pra não te deixar sem graça. Vai por mim, conheço!
Com tanto falar a Neuza e suas colegas, Erivaldo aos poucos foi cedendo e se sentindo mal com a sua aparência. Começou a se observar no espelho. Necessitava entregar um novo homem a sua esposa.
Quando Erivaldo já estava no emprego a um mês, Luciana, sua esposa, deveria ficar uma semana em um congresso em outra cidade. Era o momento do ataque da Neuza: -"Erivaldo, aproveita e mude-se todo para quando ela chegar encontrar um novo homem!". O levou a um cabeleireiro, cortou a barba, o fez insistentemente comprar uma peruca, camisa nova estampada, trocar o óculos (o antigo não estava na moda), comprar uma cinta para segurar a barriga, perfume do tipo que nunca usou, trocou os sapatos novos porque a cor não estava agradável, até a sobrancelha estava diferente e os pêlos do corpo depilados e... Erivaldo sem perceber já tinha gasto todo o primeiro salário. Mas era outro homem. "Pronto!"- dizia a Neuza com um belo sorriso -"ela vai amar! Agora só falta você fazer um tratamento para essas estrias, inclusive, a sua mulher também, tem também que tirar uma papada aqui e diminuir o nariz..." - lá ia soltando os defeitos da mulher com todas as letras na frente dos vendedores da loja, quando fora interrompida pelo Erivaldo, que já se cansara de tanta mudança: -"ta bom, ta bom, preocupa não... preocupa não".
No dia da volta da mulher, Erivaldo a avisara que teria uma grande surpresa. Preparou o jantar e os filhos o ajudava, segurando o riso ou espanto, para não constranger ao pai. Quando ele ouviu a chave na porta dos fundos, correu para abraçá-la e ao vê-lo, Luciana espalha andares acima do prédio um enorme grito de susto, crendo se tratar o marido de um ladrão: nunca o vira sem barba e já se acostumou com a sua careca. Não se sabia quem se assustou mais: ela, o marido "disfarçado" ou a mulher do terceiro andar com o amante na cama. Luciana demorou a aceitar a nova "cara metade". Faltava nos beijos a barba encostando ao seu rosto e a careca charmosa. Gostou da camisa nova, mas do marido... Como dizer a verdade? Como não magoar o homem que se modificou tanto para agradá-la infrutivelmente... O conheceu já sem alguns fios na cabeça e tornou-se mais charmoso a cada fio a menos. Quanto a barba, o admirou de início por esta. Ter uma barba meio branca não o tornava um palhaço, mas o "seu" homem em meio à multidão, único, diferente... ele! Sem saber como elogiar, sentia-se ao lado de um outro qualquer que invadira sua casa e só pensava: "onde está o meu marido?". Luciana ama ao Erivaldo na sua forma física como ele é. Nunca sentiu vergonha pela barriga saliente ou a barba desfigurada. Em meio ao jantar, teve uma ideia, o puxou para cama e apagou todas as luzes, agradeceu pelo que fez por ela e o abraçou fortemente. "Ah..." -pensou -"agora sim, esse é o marido que eu amo!". Sem jamais lhe contar que estava desapontada com as mudanças, tratou de tentar se acostumar à nova aparência, porque o que importa para ela é o que os olhos não vêem.

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