quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
Pedro, o bêbado sem vida
Luiz Sanches
Pedro é um resto de homem, jogado fora em qualquer boteco "copo sujo" que o engula. Ele não é um homem de contar os seus problemas a qualquer um. Prefere engolir a dor, abrir um sorriso maroto como se nada estivesse acontecendo, acorrentar a emoção que insistir em se soltar e enxaguá-la no álcool. Passa a noite sentando na mesma cadeira, na mesma mesa, no mesmo bar, hora papeando conversa chata com os outros solitários de bebedeira, hora delirando sobre o efeito do álcool, hora vendo televisão num canal que deseja mudar, hora debruçado na mesa, resolvendo se pede outra cerveja ou dar-se por conta que há chegado a hora de voltar para casa destrambelhada, que a tempos não sabe o que é uma arrumação.
Pedro foi mandado embora do trabalho, após muito custo, pois vivia sendo afastado por psicólogos devido à depressão e bebedeira. Trabalhava no escritório de advocacia de um amigo de infância, que muito suportou a embriagues do amigo. Mas paciência tem fim. Pedro entrou de vez no círculo vicioso da bebida após a separação com Irinês, que fugiu com outro homem, a uns dois anos. De lá para cá, Pedro consome a bebida que o consome. Pedro está cadavérico, abatido, guerreia contra a vida sem forças para lutar, afoga-se nos copos noite adentro num bar mal cheiroso, sujo e quente. Está é sua casa, ou sua cova, tanto faz... Fica lá escondido em meio às baratas.
Numa dessas semanas o Pedro some do bar. "Será que está passando mal, tem algum problema?" Os colegas de bar foram ver o que se passava. Chegando lá a casa estava varrida por fora. Não havia nenhuma folha de árvore na rua vinda da casa do Pedro, que por sinal estava podada. O portão, velhinho coitado, permanecia com a sua corrosão pelo tempo, mas foi pintado. Dava para perceber que foi pintado as presas. Bateram na casa. "Será que o Pedro morreu e alugaram a casa?" -questionaram-se todos. Pedro grita de lá de dentro: "quem é?".
-Oh Pedro "é nois". "Ta" aqui o Batista e eu, "cê" não apareceu no bar essa semana, "tamo" querendo saber o que aconteceu!
-"Perae" - gritou o Pedro de lá de dentro. Certo que todos esperavam que o Pedro gritasse algo rotineiro como "E aí Batista, "qualé" Gonzaga?". Aguardaram. Pedro abre o portão com cara de assustado, fitando com presa quem estava na rua.
-E aí Pedrão, não vai convidar para entrar não? -Fala o Batista entrando rápido, antes que o Pedro pudesse detê-lo. Na verdade o Batista foi experto para saber logo se o Pedro estava armando uma festa e não os convidou. Entrou e se espantou. A grama, cortada. A parte da frente da casa, meio pintada e com a tinta lá para pintar o resto. Da porta da frente, de vidro, era possível ver a casa arrumada e com um jarro de flores na mesa.
-E aí Pedro? -Batista pergunta sem olhar o rosto do Pedro, ainda admirando a arrumação inesperada da casa que já foi palco de várias noitadas - viemos de chamar para tomar uma.
-Ah... olha.. oh Batista... oh Gonzaga... oh gente, vai dar não. "Tô" arrumando "umas coisa" aê e não vai dar não. Fica para a próxima "tá"? -Lá ia empurrando o Batista para fora e fechando a porta, quando o Gonzaga o pega pelo braço.
-Pedro, o que que "tá" acontecendo?
-Nada não gente, nada não. - fala de cabeça baixa e já nervoso.
Depois de insistirem, e bêbados são insistentes, Pedro pede segredo e revela toda a verdade. Sua ex-esposa tinha ligado falando que não deu certo com o homem que fugiu e pediu perdão. Falou que voltaria para os seus braços em uma semana. Pedro a perdoou. Comprou roupas novas, arrumou a casa. Inventou um jantar, já que não sabe cozinhar. Certo que os colegas foram expulsos a força da casa do Pedro, pois estavam caçoando-o energicamente. Nem quis saber. Só queria largar a bebida, o cigarro e o bar copo sujo, para viver novamente com a sua Irinês. Sua vida se transformou. Vai até procurar emprego.
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Paulinho, o distraído
Luiz Sanches
Eu namoro a Regina, que só gravei o seu nome após uma longa discussão para convencê-la que a chamei de Renata por engano, por ser eu muito distraído. Quase a discussão não se estende mais, pois por distração ia lhe perguntei por que estava morena no segundo encontro, já que era loira no primeiro.
A patrícia, ops, me engano, a Regina, aceitou que eu fosse ao trabalho do pai dela para conhecê-lo pessoalmente. Li, certa vez, que seria interessante ao se conhecer uma pessoa da qual queremos prestigiar que compremos algo que ela venda. Como lá é um consultório médico, aproveitei para marcar uma consulta. Assim, prestigio o Seu Alceu pagando por uma consulta, o conheço pessoalmente e mais: trato com ele o meu problema de ejaculação precoce! Bom, liguei mais cedo para ele para informar que iria conhecê-lo e a sua secretária prontamente me atendeu, com uma voz maravilhosa. Imagino que seja linda e quase lhe dei uma cantada pelo telefone, quando me lembrei que já tinha namorada. Ufa! Quase me dou mal!
Estava cansado, porque eu me enganei achando que o bairro do trabalho dele era visinho ao meu. Cheguei cedo, queria ter a certeza que tinha marcado a consulta para as dezoito horas. Eram umas duas horas... ou dezesseis... por aí... Um homem atendia no balcão. Perguntei-lhe pela secretária que me atendera no telefone e ele me respondeu que só ele trabalhava lá de secretário. Gente, eu juro que a voz no telefone era de mulher! Mas tudo bem. Era terça-feira e enquanto aguardava, via o Faustão na televisão, mas alguma coisa me dizia que algo estava errado! O Faustão não tinha morrido? - "Paulo Silveira da Silva Silva", gritou o secretário, após a saída de uma paciente do consultório. Tinha um Silva a mais no meu nome, será que ele se enganou? Entro no consultório. Como poderia começar a conversa? Dizendo "olá meu querido sogrão!"? Preferi fazer-lhe uma surpresa; consultaria primeiro e me apresentaria depois. Assim ficava mais fácil para pedir que não se zangasse por eu me esquecer de trazer o dinheiro para pagar a consulta.
-Entre senhora, pode se sentar. - "Senhora", disse ele? Como assim?
-Desculpe doutor, o senhor se distraiu, sou homem e muito por sinal, já fiquei com mais de dez mulheres em uma só noite, tudo bem que umas se repetiram, mas eu sou muito homem! -Por um segundo me veio à cabeça: o que estou dizendo para o pai da minha namorada?
-Oh, bom, desculpe, arrr... Senhor... Paulo? Paulo Silveira da Silva Silva? -Olhou o doutor o prontuário com a mão trêmula e a testa franzida. - Desculpe-me senhor, é que sempre consulto mulheres. Peço perdão. - Continuou, quase sussurrando.
-Como assim atende somente mulheres? Eu vim tratar de... do que era mesmo?
-Sim, só atendo mulheres, pois sou ginecologista.
Tive que pensar rápido! Como fui distraído! Marquei a consulta, mas não perguntei a especialização dele?
-Na verdade doutor, eu marquei uma consulta com o senhor porque eu queria conhecê-lo pessoalmente. Sou o namorado da sua filha.
-Você? Namorado da minha filha? - Respondeu quase como um cão feroz. - Seu tarado, maluco!
-Desculpe doutor, ela também quis, eu não insisti! - Estava sem entender nada!
-Como assim??? Vou chamar a polícia! Minha filha só tem 10 anos! Seu Alceu, venha cá imediatamente.
-Seu Alceu, como assim? O doutor não é o Seu Alceu?
-Não, sou o Doutor Epaminondas... Seu Alceu é este aí - E apontava para o porteiro.
-Seu Alceuuuu!!! -Respondi logo de braços abertos - Eu sou o... que mesmo? Ah é... Sou o namorado da sua filha, vim te conhecer.
-Minha filha disse que você viria hoje para me conhecer. Ela não te disse que eu sou o porteiro?
-Ela disse? Respondi imediatamente. E continuando falei mais: - Ela não falou nada! Que vergonha que passei! Isso pra mim é um absurdo! Eu não posso aceitar namorar uma mulher tão distraída que não pode dizer-me que o pai é o porteiro. Quer saber? Se quiser, namore você com ela, porque eu não quero mais! - E saí imediatamente dali.
sábado, 14 de janeiro de 2012
O Relógio
Luiz Sanches
Para cada ano de vida a mais que tenho
cada ano de vida a menos tenho
O relógio tal martelada não se importa
em decretar a morte do último segundo
Se não entro no seu passo
continuo sendo arrastado sem perceber
pelo ponteiro que me aponta.
Se não ligo e o desligo, quando me ligo,
percebo o quanto estava desligado
O tempo não tem inicio nem fim,
mas quando termina dá uma vontade de voltar...
Posso até fingir que não o vejo passar e ser jovem
ou acrescentar anos que nem os possuo
mas ele vai me marcar com tantas horas, dias, anos...
Posso tapar os ouvidos para o relógio da igreja,
para o relógio pregado na parede que grita de noite
Posso até colocar em extinção aos cucos.
Mas um dia o meu relógio irá parar quando
o meu tique-taque parar de bombear
As vezes o relógio toca no meio da madrugada
vou atender para ver o que é
e ele me diz: tua vida é uma contagem regressiva
vive agora que amanhã a esta hora
sabe-se lá se dá para viver até de manhã
Aí deixei de atrasar o relógio
para ter um tempo a mais: pouco adianta!
Nem mesmo o adianto para não atrasar.
Não adianta mesmo!
Acho que o melhor é viver
não importa a década que me faz decadente
não importa o minuto que computo
não importa o segundo nem o terceiro
O que me importa mesmo é este agora...
é, não... desculpe. O que me importa mesmo
é este agora... Ops, desculpe mais uma vez...
o que me importa mesmo é este agora.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
Seu Ernestinho, o jogador de futebol
Luiz Sanches
Seu Ernestinho, casado, quarenta e seis anos, cinco filhas, manca de uma perna e usa bengala desde jovem, vítima de acidente de carro, correndo atrás da bola que lhe escapara, nas quartas de final do campeonato do futebol. Por esse motivo, nunca pôde ganhar o campeonato.
É vidrado por futebol, vê de pé na televisão o jogo e quando o jogador dá o chute rumo ao gol, seu Ernestinho chuta junto, o ar, e por vezes cai no chão; chuta com a perna boa e se apoia na ruim. Dona Sintia bem que faz suas recomendações ao aficionado torcedor, que após a queda exclama no chão o grito de gol - quer mesmo é festejar.
Seu Ernestinho é contador, mas sonhava em ser jogador de futebol, impedido pelo acidente de carro. Tentou inutilmente ter um filho jogador, mas desistiu na quinta filha. Encaminhou um sobrinho, que virou médico. Tem a casula que está enrolada com um rapaz aí que torce pelo mesmo time do Seu Ernestinho: o orgulho do futuro sogrão!
Seu Ernestinho tem duas vidas: o antes e o depois do acidente. Antes da tragédia, jogava bem, era um jogador exímio. Necessitava de mais treino, mesmo assim, se destacava no clube. Chegou a jogar com o Pelé e driblá-lo. Seu Ernestinho zanga-se se alguém da família disser que aquele é outro Pelé, um qualquer. Fez o que Neymar nem sonha em realizar: pisou na bola quase no gol e caiu, a bola rolou... E gol!
Quando começa um jogo do Brasil, sempre diz com um sorriso escancarado: -"eu poderia ter jogado na seleção! Em 79, na grande área, passei por quatro e mais o goleiro e sozinho fiz o gol! Ah moleque! Pro papaizão todo goleiro virava frangueiro! Era pá, pum, vinha de cá, depois tum e gol!" - dizia em pé, chutando e demonstrando como foi a jogada e a filha Marta (nome em homenagem a jogadora de futebol) o alertando de lá da cozinha que poderia sofrer uma queda. Lógico que seu Ernestinho continuava encenando seus passes e dribles. Detestava que não lhe confiassem que poderia manter-se em pé ou que lhe ajudassem a subir uma escada ou degrau: tinha a plena certeza que até poderia jogar novamente! Por isso, ao passar pela molecada na rua jogando bola, pedia para ficar na "de fora". Os garotos se entreolhavam sem saber o que falar e permitiam que ficasse ali esperando sua vez, mas ao termino da partida, todos caçavam o seu canto. Hora diziam que acabou a partida, que tinham outro compromisso, ou era a decisão de qualquer campeonato, sei lá, só sei que Seu Ernestinho nunca jogava. Houve a vez que um dos garotos ficou no campo com a bola depois da partida. Seu Ernestinho com um sorriso no rosto jogou a bengala de lado, se aproximou mancando com um grande sorriso, muita esperança e perguntou quase cantarolando: -"e aí garoto, vamos jogar só nós dois?" O garoto disse que a bola não era dele e correu para entregar a bola a outro, que ficou surpreendido, mas a levou.
Certo dia um garoto qualquer da plateia difamou o Seu Ernestinho no Facebook: "ele acha que vai jogar críquete com aquela bengala?", " deixem ele jogar e será uma palhaçada", "que se jogar todo mundo vai rir dele", etc. A turma resolveu chamar o Seu Ernestinho para jogar. Levaram máquinas de filmar para colocar no YouTube os tombos do homem manco. Suas filhas a todo custo o impediam de ir ao jogo e lá foi ele quando elas se distraíram. Ter sido chamado fazia o coração acelerar, estava de novo feliz e muito feliz. Procurou não mancar na entrada do campo, mesmo com a emoção lhe tremendo as pernas, só não conseguiu segurar a lágrima que escapuliu dos olhos. Era o seu momento de glória, sem nem o jogo começar. Nada foi mais esperado. Uma das filhas chegou aos prantos e da plateia pedia ao pai para abandonar o campo, quando a bola chegou pela primeira vez aos pés do pai. Ele se segurou na perna ruim e bum... com a boa desferiu um chute tão forte que foi gol do meio de campo. Foi silêncio imediato da plateia, seguido de alvoroço. Seu Ernestinho jogou um bolão. Não conseguia correr, mas driblava, passava e fazia gol. Aguentou com dor os 90 minutos. A plateia nunca curtiu tanto, o carregaram, a família se surpreendeu e não o vê mais como um inválido, ficou famoso no YouTube e fez entrevistas na televisão. Conheceu o Pelé, que confirmou ter jogado quando jovem com ele, para surpresa da família.
Hoje Seu Ernesto joga poucas vezes, trabalhou como juiz de futebol e ganhou o sonhado campeonato, como técnico do time.
Quanto ao garoto que o ridicularizou pelo Facebook, agora conta as histórias do Seu Ernestinho, "que jogou com o Pelé", "fez o gol sozinho contra quatro e o goleiro": na verdade, o garoto é o próprio Seu Ernestinho, que fez um perfil falso e enganou todo mundo.
domingo, 8 de janeiro de 2012
Seu José e o Celular
Luiz Sanches
Seu José é homem baixo, um pouco careca, semblante agradável com algumas manchas na pele, modesto e carismático. Após cinco horas de rodoviária, chega à cidade grande, que só vem visitar quando precisa mesmo. Dona Maria ficou em casa, cuidando dos netos e do papagaio, que aprendeu a falar aquele nome feio, por culpa do Seu Ernesto, que passa todo dia em frente a casa reclamando da vida sozinho. Já tentaram interná-lo algumas vezes, mas o manicômio da cidade tem muros muito baixos. Para falar a verdade, não é manicômio, é só a casa do vereador foragido da cidade, mas ninguém liga pra isso.
Seu José comprou um celular duma moça bonita e com um tique estranho de balançar a cabeça, que vendia numa Kombi velha. Seu José não sabia ao certo nem como ligar o aparelho, mas achou bonitinho um bichinho se mexendo na tela. Também tinha como toque uma musiquinha que lembrava algo da infância. Certo é que o bendito depois de comprado nunca mais tocou a tal musiquinha. Talvez precisasse enfiar uma moeda para ele tocar...
Seu José logo correu para casa para apresentar a novidade a Dona Maria, mas não podia antes deixar de jogar com os amigos uma sinuquinha, tomar a "marvada" e urinar na árvore do lote vago, coisa que repudia a Dona Maria e a estremece até a ponta da "carcunda". O problema é que o tal do celular ninguém sabia fazer funcionar, só o Zezinho, filho do Seu Bartolomeu, que não saía mais da casa do Seu José todo dia depois da aula, pra jogar um joguinho no celular com uns barulhos irritantes. Pior é quando assustava a Dona Maria gritando de lá da sala: "-ganhei, ganhei, fiz 10.000 pontos!" Ninguém ligava para o celular do Seu José, afinal ligar para celular é caro. Era mais fácil ir lá tomar um cafezinho e "jogar prosa fora". O Juquinha Maleiro, e não me pergunte o porque do Maleiro, relatava que o celular nunca que dava sinal. Seu José ficava maravilhado em saber que o celular servia para falar em qualquer lugar e agora esperava ver ele dar um "sinal" qualquer, sei lá de que, mas torcia para ver a tecnologia que nunca funcionava. Um dia de manhã tomou a decisão: "-Cê qué mais sabê? Eu vô é acabá com essa porcaria e é pra já!", e tomou o ônibus da rodoviária para a cidade grande.
Chegou à loja de celular para cancelar o seu plano. Cansado, mas sempre com um sorriso no rosto, fala: -"Diiia Dona! Quero cancelar esse celular". A moça de pronto retira uma senha do computador e pede para sentar ao lado e esperar. Depois de uma meia hora, chamam a senha do Seu José, que disse querer cancelar o celular. Informam-lhe que não é naquele setor e lhe entregam outra senha, sobe ao segundo andar e depara-se com muito mais gente esperando que imaginasse. Uma hora depois outro atendente o revela que estava no andar errado, que precisava subir as escadas até o último andar. Depois de duas horas, Seu José reclama da demora e um vigia comovido diz a ele que já tinha sido chamado e pede para descer ao primeiro andar e pegar outra senha e depois subir de novo. Lá vai o Seu José e após mais uma meia hora, uma atendente chama a sua senha.
-Tarde moça! -exclama já sem forças o Seu José.
A atendente, com uma voz robótica, fala sem entonação, como se estivesse lendo o que diz: "- boa tarde senhor, o meu nome é Fátima. Com quem eu falo?"
-"Eu também tô querendo saber com quem eu falo para poder"... "-Em que posso ajudá-lo senhor?" - interrompe a atendente.
- Eu vim aqui pra poder cancelar esse celular.
-Mas por qual motivo?
-É que lá na minha cidade eu não preciso dele.
-Mas como não senhor? Não há ninguém que não precise. Como o senhor vai se comunicar com os seus amigos?
-Todos moram perto.
-Mas com o celular o senhor não vai precisar andar até a casa deles.
-É que são todos vizinhos.
-Mesmo assim, hoje em dia nem precisamos bater a campanhinha; é só fazer uma ligação. Além do mais o senhor não usa o celular só para conversar. Este celular do senhor tem Bluetooth e Wap.
-Essa coisinha aqui tem wap? "-Sim senhor", responde rapidamente a atendente quase atropelando as palavras.
-Nossa, como as tecnologia tá avançada. E é tão "pititin". Mas me diga só uma coisa: o que é Wap?
-Só um momento que vou verificar senhor. A atendente fica digitando. Senhor, para sua segurança, me informe os três primeiros dígitos do seu cpf e seu nome completo.
-Lá na roça eles me chamam de "Zé das cabrita".
-Não senhor, o nome completo.
-Jose Maria Mariano Joselindo Silva Neto. Eu sou "fio do..." e interrompe novamente a atendente: "-Qual a cidade do senhor?"
-São João do povo esquecido. Fica perto do Mato Grande da...
-Correto senhor. Só mais um instante enquanto verifico a sua solicitação. E fica a atendente digitando algo. -"Mais um instante", após uns minutos: "-Só mais instante senhor. Senhor, desculpe a demora e obrigado por aguardar. Quanto à solicitação do senhor, Wap é para acessar a internet."
-É mesmo? Então dá pra conversar com outra pessoa lá nos estados unidos?
-Não senhor, o aparelho do senhor não tem essa função, mas estamos com uma excelente promoção, se o senhor adquirir o plano fale 300 o senhor leva de graça um celular novo com bluetooth, mp3, mp4, mp7, mp12, mp15, tela Touth Screen, Wap, TV, SMS, MMS, 8 gigas e câmera 5 mega pixels.
Seu José olha para os lados procurando alguém e exclama: -oi dona? A senhora falou foi comigo?
-Sim, o senhor pode trocar o seu celular que já é muito antigo; já tem 4 meses que foi lançado. Estamos com uma super oferta, o plano está saindo de R$175,00 por apenas R$169,90 por mês! O senhor já paga R$ 35,90 por mês, não vai apertar. Está imperdível, vamos fazer? É só assinar aqui.
-"Cruis credo" dona, eu sou aposentado. Cancela isso logo que eu não quero mais saber dessa porcaria "mais" é nunca na vida!!!
Lá pela décima insistência da vendedora, e Seu José irritadíssimo, entraram no processo de cancelamento, que deveria durar mais uma hora para cancelar. Seu José já se encontrava aliviado de retirar de vez o celular da sua vida, pensava que não daria mais tempo para voltar para a sua cidade naquele dia; deveria dormir na rodoviária para pegar o ônibus logo cedo. De repente, o celular toca aquela musiquinha que lembrava algo da sua infância, enquanto um bichinho bonitinho se movia no tela: era uma chamada! Com muito custo, Seu José atende sua primeira chamada, que era uma ligação da operadora de celular fazendo qualquer anúncio. O interessante foi que o Seu José ficou maravilhado com a ligação: o acharam logo ali! Resolveu continuar com o aparelhinho, comprou o plano que a atendente insistiu em vender e voltou para a sua cidade com o celular antigo e um novo, que presenteou a esposa.
Certo que ninguém tinha celular para ligar para ele. Certo também que não podia mais se socializar com os companheiros de boteco e sinuca: o plano é caro demais. Mas permaneceu com o aparelho somente para sentir a Dona Maria sempre por perto, mesmo longe!
Assinar:
Postagens (Atom)