sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Júnior bebeu demais





Luiz Sanches

Certa vez vi meu filho entrando em casa bêbado, sempre recriminei tal atitude. Certo é, não suporto um bêbado. Passou crendo-se invisível pela entrada dos fundos e de imediato se dirigiu ao quarto, sem olhar para trás. Sou um homem dado ao trabalho, sustento esta casa e, suportar um filho bêbado, é demais. Com o meu dinheiro, pior ainda!
Desta vez, procurei ser diferente, nem sei por quê! Sempre repreendia severamente meus filhos por não estudarem, sofrerem infração de trânsito ou outras coisas. Desta vez quero ser diferente, quero agir com calma. Minha esposa ainda está no doutorado, minha filha na faculdade ou na vagabundagem e o Marcos, ele me disse aonde ia, mas não me lembro. Somos só o Junior, bêbado, por sinal, e eu. Não vou recriminar desta vez. Meu trabalho está adiantado e se eu passar a noite conversando com ele ainda posso terminar a tempo.
Segui o corredor que leva ao quarto do Junior no escuro. Parei frente à porta do seu quarto e tentei escutar qualquer barulho. Somente o tique-taque do relógio da ante-sala chamava a atenção no meio da noite. Acho que deseja esconder a sua vergonha.
- Junior! - batia a sua porta - posso entrar?
-Ah? Papai? Ah, pode? "Po-po-pode"... - Respondia Junior com voz trêmula e assustada.
Abri a porta e me deparei com o quarto todo revirado. Coisa incomum no Junior, porque é um garoto exímio, sempre elogiado pelas visitas que recebo. Ele possui uma organização natural. Junior é um exemplo mesmo para mim, que fui amparado por livros de organização em empresas, organização no lar, logística, etc. Já há muito notara que às vezes somos mais dedicados na empresa que em casa, dado que me enfurecia a desorganização da empresa onde trabalho, mas não o meu quarto desorganizado.
-Olá filho, como está? - Não sabia ao certo o que falar.
Quase o obrigara arrumar o quarto, mas lembrei que desta vez desejava uma didática diferente.
- Bem pai.
Eu senti que esse bem não estava tão bem. Tinha que me tornar um Sherlock Holmes neste instante e entender precisamente o que estava acontecendo. Não sabia qual seria a próxima frase. Cheguei ali com a meta de não repreendê-lo pela bebedeira e ele me disse "-bem pai". Me desarmou. De repente percebera que somente sabia repreender, não ouvir.
- Você tem tocado sua guitarra? - Emiti essa frase quase que automática.
- Não.
Ai, o que eu falo agora? Repreender é bem mais fácil.
- Posso sentar na sua cama?
- Tá desarrumada... Pai, o meu quarto está uma bagunça, tá feio. Quem sabe amanhã?
Sentei-me na cama, que por sinal, desarrumada, estava mais arrumada que a minha. Sem dizer nada, rapidamente, Junior queria arrumar, mas a bebedeira o impediu.
- Junior, meu filho, estou vendo que você está bêbado, não precisa chegar em casa assim, você tem...
- O que você tem com isso? Rapidamente Junior me interrompeu.
Repreensão não, refleti prontamente. Não tínhamos muitas conversas, mas me responder assim é demais. Suspirei e consegui me acalmar, afinal, ele estava bêbado. Junior nunca me respondia mal...
- Junior, sente-se aqui ao lado do seu pai.
Não esperava que ele se sentasse, mas sentou e com lágrimas nos olhos. Quando eu tinha visto isso? Lágrimas, do Junior? Não entedia o que estava acontecendo.
- Que foi Junior?
- Nada não.
- Pode falar. - Houve um grande silêncio. Esperei calmamente a resposta.
- Eu não queria ver a minha mãe e o senhor se separarem!
Como um raio, fui atingido. Não sabia o que falar. Realmente, já pensava em separação.
- Amo muito o senhor. - Junior me abraçou - Sei que você não sabe lidar comigo e o Marcos, mas mesmo assim te amo e não quero te ver longe. Sei que você trabalha muito por nós. Sei que você tem a cara fechada, mas nos ama! Se você se separar da mamãe, não sei por quem escolher. Prefiro escolher os dois!
Ele tem 17 anos e parecia uma criança. No mesmo dia, tive uma conduta: não repreendi minha esposa. Conversarmos a noite inteira. O dia raiava e ainda conversávamos. Fui receptivo. Nem lembrei-me do meu trabalho... Pra falar a verdade, pedi férias! Queria curtir a minha esposa e filhos, porque descobri o novo dentro da minha casa. Quando não há competitividade, lutas, poder ou repreensão,  e sim, amor.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Causos da roça

Luiz Sanches

Seu" Pereira é um senhor de avançada idade, morador da roça desde criança, cabelos brancos como a neve, certo dia, visitado pelos seus netinhos, conta um de seus "causos", assim descrito com suas palavras carregadas do "palavriado do interior":

"Quando eu tinha lá pruns 18 ano, tinha uma mocinha com o nome de Ana Maria qui eu já tinha visto umas trêis veis, mas só de longe. O pai dela era um fazendero bravu e ai eu pensei: -mais eu vô é lá fazê uns trabai pra ele e conheço a fia do patrão. Pois bem, fiquei sabendo qui o omi tava pricisando de gente, ai foi o Primo Antoin mais eu. O Antoin era muito medroso nessa épuca, tinha lá seus 16 ano. E ia nóis naquela cavalgada boa, se divirtindo, contando os causo da roça, as lembrança de minino. Ai eu falei: oh Antoin, eu tô assim com vontade de se aproximá duma moça lá na casa. Quando nois chegá lá cê vê si distrai o pai dela pra nóis podê papiá um mucadin. -Intão tá.-dizia o Antoin."

"E fomu. Chegamo naquela fazenda bunita, com umas coisa diferente que só homi grande pudia comprá. E de inicio nóis cunheceu o dono da fazenda. Mais oh homi difici de entendê o qui ele fala. Ele falá umas palavra tudo imbolada, com um jeitão assim todo bruto, parece qui tá xingando, mais é o jeito dele de bulbuciá, parece qui tinha umas abelhas na lingua. Ficava falando lá e nois só balangando a cabeça sem intendê nada. Bom, inda bem qui a  Dona Critéria, a patroa dele, tava lá e fazia a gente intendê u qui o homi falava. De veis inquando ele falava algo e nóis balançando a cabeça pra mostrá qui tava ouvindo, ele batia a mão na mesa nervoso, ai a dona Critéria falava qui ele tava pirguntando algo pra nois. ha ha ha! Oh homi dificil! Ai ele falô para nois trabaiá lá e falô qui tem umas tora de madera qui vai chegar antes do armoço qui é pra nois i lá pegá perto da istrada. Tá bom..."

"Ai nois intrô mais pra dentro pra tumá um café e eu assim todo emocionado achando que ia ver a Ana Maria, mas veio foi o Vitin, irmão dela. Oh muleque disgramado! Oh minino artêro! Era daquelis minino qui gostava de apurrinhá e se metê onde num é chamado. E o Vitin ficava azucrinando nóis lá. Falava assim: -Vamu brincá de piqui iscondi? Mais eu num sei quantas veis esse muleque insistiu nisso e garrava minha camisa e puxava, mas quiria porque quiria. Oh vontade de dá uns tapa nesse muleque. E danava a ficar perguntando coisa pra nóis e a gente num queria prosear. Ai nóis ficô calado. E o minino falava: -Cês tão brincando de vaca amarela? Outra hora ele viu um papilin qui eu tinha no bolso, puxou e saiu desimbestado."-Dá isso aqui, dá isso aqui minino..." dizia eu correndo atrais dele e Antoin rindo deu. E lá tinha um cachurrim branquim de uma raça esquisita, um tar de pudi, puli... ah sei lá!"

-Deve ser poodle vovô! Interrompe um dos netos.

-É isso mesmo! Má voltando pro causo... "Era um bichin chato que ficava relando e agarrando nas perna da gente fazendo bubiça. Mas nóis cheguemu na beira da istrada i lá tava as tora. Mais as tora era pesada só. Qui treco difici de levantá. Dois era pouco homi. Quando nóis foi pô a terceira tora, colocamo um canto dela na carroça e no otro canto tava Antoin mais eu levantando e a madeira dislizô duma veis pra fora da carroça e nóis ouve um grito de cachorro e quando nóis oia, era o pudi..."

-É poodle vovô! -interrompe novamente o netinho. -Intão mininu, pudi é o qui eu falei! "Intão, o tar do pudi foi ismagadu pela tora. Tava murtin qui nem galinha morta na panela. Aí o medroso do Antoin falô: Má de onde esse bicho veio? Nóis num viu ele chegá. Ai, minhas veia ta sartando do pescoço! E o Antoin tava se borrando todo."

"Aí eu falei: Que qui eu faço? Num pode falá qui o patrão é nervosu. Se subê, pode matá é nois. Si eu morrê, eu perco o dia de sirviço. Si Ana Maria discobri ai tá tudo se acabado de veis. E eu vi la na cabiceira que invia alguém. Quando eu vejo, é o Vitin."

"-Eu ouvi um grito de criança e vim ver o qui é. -Falô o Vitin. Eu acho qui ele ouviu o grito do cachorro quando a tora caiu nele e ta achando que é criança. De pronto eu respondi ligeiro: "-Né cacho... han, han... Né criança não. É o Antoin que quando machuca grita qui nem mulé. Mas vamu imborada logo qui aqui né lugar de menino apurinhá não." Mais moço, esse foi o trabaio mai ligero qui nóis tinha feito pra gente se iscafedê logo dalí, que se a peste do minino vê o pudi nóis tava lascado."

"E dizia o endiabrado do minino.-Quero andar de cavalinho! Pra tirá logo ele dalí peguei de cavalinho e o Antoin pegou a carroça e o muleque vem atasaná de novo: -"eu vou mostrá pru ceis como se faz os boi andá rápido", e taca pedra nos boi. Com muito custo, nóis voltemo pra fazenda. Como a tora de madeira tava manchada de sangui e num dava pra tirá, eu cortei o braço com uma faca pra falá qui o sangui era meu. Quando nóis chegô, o dono da fazendo de la de fora começo a fala as palavras esquisita qui so ele intendi. Eu só intendi a ora qui ele falô: trais us homi la. E o homi tava bravo qui neim touro amarrado e foi esbravejando com nóis: "-Purque tem pêlo de cachorro junto destas tora? Cadê o meu pudi qui eu vi ele indo cum céis e qui...." e falô cuspindo mais coisa que ninguém intendia."

"Ah, já qui lascô de veis e eu vendo o Antoin delegando nóis com aquela cara de cagado aí eu falei duma veis que se nóis morresse qui morresse igual homi: oh, nóis tava lá pegando as tora, aí caiu uma tora no tal de pudi que ficou igual leite pastoso e eu achei foi é bom! Num foi de querer, qui eu vim cá trabaiá e agora eu já vô é parti. Vamu ô Antoin, fecha logo essa torneira de tráis sinão cê vai tê um dilurimento aí e vai é cagá na sala. Aí eu dei um passo pra frente e voltei na hora pra dá um biliscão mas foi com gosto na zureia daquele mulequi do Vitin. Qui se nois morresse ali ao menos um gosto eu teria. Juntamo a tropa, num tive nem coragem de zoiá a Ana Maria que chorava, subi o lombo do cavalo e fui-me embora. Só ouvi o omi resmungando uns treco difici de entendê e falei: -agora é a hora! Deve tê pegado a garrucha ou o facão!"

"Quando nois tava saindo de perto da casa veio a purcaria do cachorro latindo com o cavalo. Uai? resulcitou? É cão do capeta? Será qui nem o capeta quis ele lá? Aí eu num sabia se era milagre ou disgraça. O meu companheiro que parecia tá cagado agora já tava até fedendo dispois dessa visão. A Dona Critéria tava na janela e falô: "-ô Pereira, eu ví o sinhô falando que matô o cachorro do patrão, mas eu acho qui o sinho matô foi o irmãosinho do pudi e é da fazenda do visinho. Agora o sinhô vai ter qui í lá ispricá mas eu já vô avisando: ele é mais nervoso qui o meu marido." Ahhhhh mais aí quem se cagô foi eu. Eu saí dalí a galope e nunca mais pisei naquelas banda. Ha ha ha ha."

Assim terminou a história do "Seu" Pereira, em momentos cada vez mais difíceis de se ver hoje em dia, mas que valem ouro; netos atentos a avós e não em computadores.