quinta-feira, 22 de março de 2012

Shirlei, a prostituta



 Luiz Sanches

Shirlei é um mulherão, mas não daquelas que se vê na televisão, ela é muito mais que isso! É mulher para ofuscar os olhos. Até as outras mulheres se sentem atraídas por ela. Um espetáculo é pouco: é a oitava maravilha do mundo! Do tipo que você só vê uma ou duas vezes na vida. Cabelos lisos castanhos, boca carnuda, uma marca em local reservado, peitos deslumbrantes e andar de modelo.

O nome Shirlei é artístico, pois ela é prostituta. Mas nem pense em contratá-la facilmente. Não, não... Shirlei só faz um programa por noite e para quem pagar melhor e caro, bem caro! E também nunca aceita um programa com o mesmo homem, salvo em raras exceções, por livre escolha dela mesma. Nestes casos, haja dinheiro para pagar uma revanche. E vou logo avisando: tem que ser muito homem para aguentar uma noite com a Shirlei, insaciável. Se parar no meio do caminho é ela que reclama! Você acha que está pagando para mandar como quer? Nada disso; o pagante só descobre que é ele quem obedece tarde demais.
Se já recebeu convites de namoro, noivado ou casamento? Isso nem se conta! Um em cada esquina, mas até o momento, Shirlei diz esperar pelo homem da vida dela e aí sair dessa vida louca e amarga. Não houve um macho a altura de tanta carne desta estrutura invejável.

Certa noite dois homens que já tiveram a dita de pernoitar com a Shirlei (mas que nunca mais o farão, não por vontade deles, claro) pediram a ela para dormir com um amigo que é quietinho, boa gente, religioso, noivo e virgem, mas "boa pinta". Queriam realizar uma aposta: se o rapaz aguentaria a paquera de uma mulher como a Shrilei, já que ele se diz fiel imutável de sua querida noiva, com casamento marcado. Se ela conseguisse convencer o rapaz, um dos apostadores ganhava a aposta, se não, o outro ganhava e se provava de uma vez por todas que o rapaz, de nome Alfredo, é o maior fiel de todos os tempos. Aposta feita, lá vai Shirlei a oficina do Alfredo, que se encontrava só, no final do expediente, todo limpo e arrumado, nem parecendo um mecânico que se preze. Conversa vai que ela precisava de um mecânico, cantada volta, passada de mão no ombro, olhares entrecortados, conhece os cômodos da oficina e nada! As vezes parecia que ele nem desconfiava das intenções "generosas" da Shirlei. Não deixava Alfredo de falar da beleza e bondade da sua amada Carina com quem deseja se casar, do quanto irá crescer como homem e ter a sua oficina, dos estudos e compromissos importantes, dos valores éticos de uma pessoa e suas poesias, que entreteram a atenção da Shirlei, que até pensou: -"acho que estou pecando com esse rapaz!". Mas aposta feita, é aposta cumprida, sua função ali era provar o rapaz e lá foram novas investidas. O doce rapaz se viu envergonhado, tímido com tanta formosura ao seu encalço. Shrilei apronta: -"eu estou de olho em você a muito tempo, só quero um beijo seu", e leva a conversa sem apresentar suas palavras inesperadas de uma desbocada prostituta. Alfredo retraído e encurralado vai cedendo aos poucos as carícias da Shrilei, que já pensa como pode querer desvirginar um rapaz tão certinho? Alfredo cai na armadinha, já lá pela meia noite e passa a noite em carícias, amassos e beijos ardentes, bem ardentes. As vezes calmos, por hora quase a engolindo. O sexo se torna ininterrupto, madrugada adentro e sem hora para acabar. Alfredo a trata como uma dama, lhe diz poesias guardadas a sete chaves ao pé do ouvido. Nenhum homem tratou a Shrilei como mulher, senão como objeto que se paga, usa e joga fora. Já foi maltratada, agredida e humilhada um sem número de vezes. Essa vida bandida dava-lhe dinheiro, mas lhe fazia valer cada vez menos. Alfredo foi um "gentlemen". Carinhoso, calmo, porém afoito nos momentos de "paixão bruta". A tratou como pessoa, sem saber de sua origem. Para um virgem, mandou muito bem. Imagina quando estiver experiente?

Pelo início da tarde, Shirlei chega em casa com a pulga atrás da orelha: -"como pude fazer isso com um rapaz tão puro?" E como ela gostou de ser tratada como mulher deve ser tratada.

À noite, teve lá seu programa habitual, que nada lhe agradou. Só pensava no Alfredo. Disse aos apostadores quem ganhou a aposta. Quase saíram os dois no tapa: -"eu sabia que o Alfredo não ia aguentar, eu sabia, ganhei a aposta!" Pela manhã, Shirlei foi procurar ao Alfredo, que não lhe deu bola. Dissera que teve uma excelente noite, mas não iria terminar o noivado. Recomendou que procurasse outro, a não ser que ela declarasse que estava apaixonada de verdade por ele. Shirlei ficou arrasada, nunca se apaixonou. Trabalho é trabalho. Noite vai, noite vem e ela sendo humilhada por um cafajeste qualquer. Não esquecera a Alfredo e correu aos seus braços, não disse que estava apaixonada, mas que o amava! E dá-lhe sessão ininterrupta de sexo selvagem, com Shirlei aos pés de Alfredo.

À noite Alfredo, numa mesa de poker, fumando seu charuto cubano, bebendo whisque da melhor qualidade, rodeado de mulheres vagabundas e caras mal encarados, comenta com o seu companheiro de jogo: -"sabe como consegui conquistá-la? A fiz se interessar em mim e a tratei como mulher não importando o que ela é. Mulher gosta é de homem que a trate bem, por isso ninguém conseguiu ficar com ela. Não existe nada disso que mulher gosta de apanhar e que a chamem de vadia... Mandei dois falarem que eu sou virgem e todo certinho. Pois bem, apostei com você que a deixaria apaixonada por mim! Passa o dinheiro que hoje vou gastar com ela!"

quinta-feira, 8 de março de 2012

Seu Adê, o Moribundo



Luiz Sanches


João Adenilson, senhor de idade avançada, lá pelos... han... oitenta... noventa anos ou até mais. Este é o Seu Adê, para os amigos e parentes. Possui nada menos que quinze, eu disse quinze "filhos homi" e "filhas mulé". Cuidou de todos com devoção e amor sofrido no caminho da vida em conjunto com Maria das Dores, falecida a dez anos. Agora chega a vez do Seu Adê. Médico nenhum sabe exatamente do que sofre; é uma dor no peito forte, mas não é nenhuma doença detectada.
Seu Adê é abastado, arrendou três fazendas batalhando ao lado da querida Maria das Dores. Resolve chamar os filhos distantes para dizer aos ouvidos qual é a herança de cada um. Todos os filhos tiveram a mesma criação, mas cada um é um. Seu Adê tem distante a Dorinha, estilista que mora em São Paulo, que não se dá bem com alguns dos irmãos. Já Tiló, como é chamado, pode ser que venha também. Este não aparece desde o enterro da mãe. Tiló e os outros irmãos são como cão e gato. Somente estes que encontraram desavença na pacata casa do Seu Adê, que procurou sempre uma maneira de conciliar, sem sucesso.
A primeira a chegar é a Dorinha, toda emotiva, chorando horrores (a família sabe que é fingimento). Ela se mostra abalada, abraça o pai, reclama que o lençol é feio, que o travesseiro tem que apoiar as costas, que o pai precisa de uma camisa nova, e que isso, que aquilo, mas só manda. Não faz nada. Abraça o pai desconcertada e rapidamente, possivelmente com medo de que a dor no peito do pai lhe possa transmitir. Não demorou em ressaltar o veneno dissimulado pela emoção que a abala: "oh pai querido, o senhor sabe que eu moro longe e não posso ficar sempre com o senhor. Não é porque eu estou distante que mereço menos terras". Claro que os irmãos ouvintes quase se enfurecem que o veneno sorrateiro da loba em pele de cordeiro, mas relevaram em nome da saúde do pai. Seu Adê sorri e exclama:
-Minha filhinha querida, "ocê" é um orgulho! "Se formou", "tá" bem de vida. Eu queria tanto ter um neto "docê"... "Cê" vai "ficá" de herança com a casa, "tá" bom?
Dorinha agradece, sem graça, meio sorriso, porque esperava mais que isso e diz que tem compromisso em São Paulo. Os irmãos questionam como o Seu Adê consegue aguentar tanta falsidade, que responde:
-Porque "os pai" tem que aprender a ver o que há de "mió" nos "fios", sem ficar xingando o seu mal. Existe muita coisa boa em cada um no mundo. "Inté" um ladrão faz "coisas boa" para alguém. "Inté" um ladrão faz falta para alguém. O que ela faz é muito "pititin" para eu não querer ela sempre "pertin" de mim.
Uma hora após a saída da Dorinha, Tiló, vindo da longa viajem, atravessa a porta do quarto do Seu Adê apressadamente e logo exclama chorando -"Pai..." - a emoção foi maior que poderia suportar - "eu só percebi o quanto gosto do senhor depois que recebi o telefonema. Só vi o quanto o senhor faz falta na minha vida agora e.... e.... eu... não... perder... eu..." A emoção o tomou. Nunca se vira a Tiló tão emocionado. Nunca chorou tão forte. Todos o seguiram nas lagrimas. Neste momento, todos os irmãos eram um só! As desavenças não mais existiam. Ficou junto ao pai durante toda a tarde. Palavras não são o seu forte, mas a mão do pai segurava forte. Precisava voltar a sua cidade e foi envolto em lágrimas e nem quis saber da herança.
Tininha, a caçula, se aproxima do pai nas últimas e diz:
-Pai, os dois já foram embora! Que dia feliz para o senhor, hein? Viu os filhos que nunca te visitam.
Seu Adê levanta da cama e quer ir para a roça trabalhar a todo vapor.
-É minha "fia"! "Fingí" que "tá" doente não é fácil. Ano "qui" vem "cês" tem que inventar uma doença com médico e tudo. Agora vamos "trabaiá" que se fica parado "nois" morre!

sexta-feira, 2 de março de 2012

Seu Alcides, o presidente da empresa


 Luiz Sanches


Quando fui trabalhar de secretária do Seu Alcides, presidente de uma empresa de transportes, não sabia que conheceria um dos homens mais importantes da minha vida. Seu Alcides é um homem careca, de boa aparência, baixinho, um pouco tímido às vezes e falador demais por outras. Nunca o vi gritar com um só funcionário. Tinha esposa e filhos e uma casa na praia. Nem sempre tudo foi flores para o Seu Alcides, que nasceu no interior da Bahia, numa humilde casa. Seu pai nunca conheceu e é o filho do meio entre seis irmãos. O futuro não lhe reservava grandes esperanças. Deveria lutar com unhas e dentes para ser alguém no meio da multidão e foi o que ele fez. Não tem vergonha alguma em dizer que só fez um supletivo aos quase trinta anos, quando aprendeu a ler e escrever. Mesmo assim se tornou o presidente da empresa que foi contratado inicialmente como caminhoneiro. Superou a inveja dos mais qualificados e se adaptou rapidamente a cada posto que exercesse, até tornar-se presidente.
Pregava dizeres nas paredes como: se fizeres o que gosta não terá que trabalhar um só dia em tua vida. Autor Warren Buffet", "Você é o maior patrimônio desta empresa", "Doe um sorriso e ganhe três", "Divirta-se, esse é o seu trabalho" e muitos outros.
Não era difícil entender porque um caminhoneiro subira ao posto de presidente: sempre que via uma sujeira, tratava de limpar ele mesmo e não se importa se a faxineira está à toa; sempre traz novas idéias para melhorar a logística da empresa ou para facilitar o trabalho; é o maior defensor de um funcionário, quando este está certo vai até contra o patrão; mas o que mais lhe ressalta, é a competência no que faz e a capacidade de resolver conflitos. Num dia desses, fui lhe perguntar como perdoar uma grande grosseria que recebi de um funcionário.
-"Oh, minha flor", assim me chamava, "Você não deve pensar em perdoar." Respondeu Seu Alcides.
-"Mas como não Seu Alcides?" -Indaguei perplexa.
-"Pense em entendê-lo. Coloque-se no lugar dele. Compreenda porque ele fez o que fez. É natural que você se sinta mal e com sede de vingança, mas não é correto que permaneça por muito tempo com esse sentimento. Reflita bastante e veja onde foi que ele errou, isso se ele errou ou só falou o que você precisava, mas não queria escutar. E o principal: veja onde foi que você errou e como se conciliar com ele. Eu entendo que não se deve perdoar porque disseram que você tem que fazer isso. Entendo que o perdão é como o trabalho, que tem como consequência o salário; se você compreende o outro a consequência é o perdão. Aí é fácil perdoar... É natural e sem guardar mágoas."
-"E se o que ele fez me magoou muito?"
-"Aí, minha flor, a sua compreensão terá que ser muito maior, o que te tornará uma pessoa muito mais sensata."
Certo dia lhe perguntei como ascendeu na empresa, e sua resposta foi -" Para crescer, Aprendi que preciso ouvir. Ouvir é uma arte que pouca gente sabe exercer. Aprendi que não adianta ouvir sem memória. A memória permite que eu não repita um erro. Aprendi que não adianta memória sem reflexão, que permite que eu possa entender onde errei e como acertar. Aprendi que não adianta reflexão sem ação, porque seria como ter uma biblioteca e ficar durante o dia vendo televisão. Tenho funcionários que agem como se fossem portadores de deficiência física. Fica um mudo do lado de um cego: o mudo vê e não fala nada, o cego ouve mas não vê nada. Eles que se auto limitam e nunca avançam por isso. Só não os mando embora porque eu sou a ação, e eles, como se executa a ação. Todos precisamos de todos. Eu cresci nesta empresa porque acreditei em mim mesmo."
Infelizmente, Seu Alcides faleceu ano passado vítima do coração. Compreendi o quanto de valor tem um homem simples. A empresa perdeu muito dinheiro nos meses seguintes ao seu falecimento, não só porque perdeu um presidente, mas porque perdeu um pai.